Bem de família (segunda parte)

              Qual a natureza jurídica do bem de família?

          Entendem algum que se trate de um domínio familiar ꟷou seja, uma compropriedade da famíliaꟷ, embora os instituidores desse domínio, tratando-se de imóvel, preservem sua titularidade registral.

          Outros, diversamente, opinam tratar-se de um contrato, de uma fundação, de um direito real sobre coisa alheia ou ainda de um domínio anômalo.

          Tendem, ao fundo, essas orientações a concluírem e concertarem-se em que o bem de família se caracterize por ser um instituto abarcado pelo regime patrimonial das relações de família. No Brasil, isto parece confirmar-se com a circunstância de o tema do bem de família versar-se no Livro IV do Código civil de 2002 −livro que está sob a rubrica “Direito de família”−, modificando-se o tratamento que lhe dava o Código civil brasileiro de 1916, em que o bem de família se tratava na parte geral.

          Parece, com efeito, que a ideia de uma situação de regência excepcional −sui generis− deve reconhecer-se neste quadro, pois, de modo direto, o objetivo da instituição do bem de família é exatamente a proteção familiar, e à finalidade (primeira na intenção, última na execução), sendo o mais relevante dos princípios, corresponde uma primazia na consideração da natureza dos institutos.

          Não custa relembrar que Aristóteles, na Ética a Eudemo, sustentara ser o homem um animal familiar, e, séculos mais tarde, abonou-o de algum modo S.Tomás de Aquino, ao dizer que o homem é um animal conjugal, até mesmo um animal mais naturalmente conjugal do que político, porque a comunidade matrimonial é anterior à comunidade civil, de que é origem e fundamento (cellula mater). Daí que convenha, de par com um registro pessoal do status do matrimônio (ou seja, o registro civil das pessoas naturais), haja também a previsão instituidora e a acolhida registral do bem de família, ante a notória importância da realidade da família, corpo natural, para a consecução do bem geral da comunidade.

          Mas que é realmente o bem de família? Como dele cuida o direito positivo brasileiro em vigor?

          O Código civil brasileiro de 2002 trata do bem de família em seus arts. 1.711 a 1.722, mas uma outra espécie de bem familiar aparece em lei extravagante desse Código, a Lei 8.009/1990 (de 29-3), além de a matéria ser objeto da vigente Lei de registros públicos (Lei 6.015/1973, de 31-12-1973, arts. 167, inc. n. 1, e 260 a 265).

          Faltando um devedor à regular execução voluntária de suas obrigações, responde ele, com sujeição coativa, com todos seus bens (art. 391 do Cód.civ.), quer presentes, quer futuros (art. 789 do Cód.pr.civ. de 2015), “salvo as restrições estabelecidas em lei” (id.), entre essas exceções contando-se a pequena propriedade rural (inc. XXVI do art. 5º da Constituição federal de 1988), o crédito alimentar (art. 1.707 do Cód.civ.), e as diversas situações indicadas nos arts. 832 a 834 do Código de processo civil.

          Já o bem de família é, ao menos, “isento de execução por dívidas posteriores a sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio [sobre o qual incida a instituição]” (art. 1.715 do Cód.civ.), e atrai ainda, num certo sentido, maior proteção no âmbito da incidência da Lei brasileira 8.099/1990, em que se excluem da execução forçada até mesmo dívidas anteriores à vigência dessa normativa específica (sem prejuízo, todavia, de que o art. 3º dessa mesma Lei n. 8.099 mitigue a extensão excludente da via executiva).

          Observe-se que, para o campo do registro imobiliário, mais importam as espécies do bem de família voluntário (ou contratual) e do bem de família testamentário, na medida em que ambos são suscetíveis de inscrição no ofício predial.