Penhora Arresto e Sequestro

(da série Registros sobre Registros, n. 190)

Des. Ricardo Dip

 

 

  1. Elenca a vigente lei brasileira de registros públicos, a Lei 6.015, no item 5º do inciso I de seu art. 167, três medidas constritivas que ali se indica serem suscetíveis de registro stricto sensu: a penhora, o arresto e o sequestro.

 

Distinguindo-se das medidas de constrição pessoal (custódia, prisão), trata-se, com a penhora, o arresto e o sequestro, de três exemplos de medidas de constrangimento real, que não exaurem a lista das constrições patrimoniais, embora haja quanto às demais, não raro, imbricação das figuras: é que, em nosso direito, a exemplo do que padece o direito espanhol (cf. Roca Sastre), as proibições totais ou restrições do poder de disposição –sejam as de fonte diretamente legal, sejam as administrativas, as judiciais e as negociais, nestas incluídas as testamentárias (ou seja, as cláusulas de inalienabilidade)– não possuem ainda tratamento unitário, nem sistemático bastante, quer na legislação, quer na doutrina pátrias.    Daí, para o direito brasileiro, as variadas medidas constritivas que se apontam, p.ex., com a cautelar fiscal objeto da Lei 8.397/1992 (de 6-1), o arrolamento cautelar (art. 301 do Cód.pr.civ.), o bloqueio do § 3º do art. 214 da Lei 6.015/1973, as diversas previstas indisponibilidades de bens (assim, arts. 2º e 3º da Lei 5.627, de 1º-12-1970, e 36 a 38 da Lei 6.024, de 13-3-1974), as tutelas das possessórias, a imissão de posse do processo de desapropriação, a arrecadação de bens prevista na Lei de falências (Lei 11.101, de 9-2-2005) e dos bens vagos, de ausentes ou de herança jacente.

 

  1. O próprio das medidas constritivas reais –tanto as de garantia (cautelares), quanto as de execução (satisfativas)– está em apreender coisas, ainda que, muita vez, a apreensão seja apenas jurídica e não fática, separando-as da circulação –é dizer, impedindo sua livre disposição pelo dominus. Disto resulta, quando se trate de bens imóveis, a notória conveniência de inscrevê-las no registro predial, embora essa conveniência não se estenda sem mais a todas as medidas de constrangimento do patrimônio (bastaria ver que, entre nós, não se inscrevem as tutorias das demandas possessórias).

 

Vem de molde considerar o fato de a Lei brasileira 6.015 não prever expressamente o registro do arrolamento cautelar, porque a regulativa do registro atendeu ao que dispunha o Código de processo civil brasileiro de 1939 (de fato, a elaboração legística de nossa atual normativa dos registros públicos, passando   a vigorar a Lei 6.015, embora, apenas depois da vigência do Cód.pr.civ. de 1973, fez-se ao tempo do Código processual de 39).

 

Com efeito, previa o inciso IX do art. 676 do Código de processo civil de 1939 o cabimento do “arrolamento e descrição de bens do casal e dos próprios de cada cônjuge, para servir de base a ulterior inventário, nos casos de desquite, nulidade ou anulação de casamento”. Ou seja, propriamente a finalidade do arrolamento era somente probatória (nesse sentido, cf. Humberto Theodoro Júnior), um inventário preventivo, de maneira que, fosse o caso de pretender-se acrescentar a garantia de um inventário para partilha, caberia adicionar a providência da arrecadação de bens (vidē Lopes da Costa).

 

Já no Código de processo civil de 1973, entretanto, o arrolamento cautelar correspondeu aos supostos de “fundado receio de extravio ou de dissipação de bens” (art. 855), contemplando o interesse de sua conservação (art. 856), prevendo-se a nomeação de depositário desses bens (art. 858), com que acertada foi a conclusão de Ovidio Baptista da Silva em que havia, neste quadro, “constrição semelhante à do sequestro”; no mesmo sentido, criticando a inovação do Código de processo civil de 1973, Humberto Theodoro Júnior apontou “a inútil duplicidade de natureza e objetivos”, em vista de mais não existir “distinção essencial entre o arrolamento e o sequestro”.

 

Parece, pois, que –superado que se conclua o apego textualístico ao disposto no inciso I do art. 167 da Lei 6.015–, deva admitir-se o registro predial do arrolamento cautelar de bens.

 

Assinale-se que, em relação ao protesto contra alienação de bens, a interessante discussão doutrinária acerca da admissibilidade de sua inscrição imobiliária –três as posições que, a seu tempo, se firmaram: uma, sustentada pela jurisprudência administrativa de São Paulo, negando a possibilidade do registro; outra, a do Des. Décio Antonio Erpen e de outros doutrinadores gaúchos (admitindo prontamente o registro); a terceira, almejando a inscrição, desde que com o adendo (então, de lege ferenda) de um seu caráter provisório–, repete-se: a antiga discussão cedeu passo à expressa previsão do Código de processo civil brasileiro em vigor, que se refere, em seu art. 301, ao “registro de protesto contra alienação de bem”.  Essa indicação legal perfilhou o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça do Brasil, ao decidir o EResp 440.837 (julg. 16-8-2006, Rel. Min. Barros Monteiro), entendimento pretoriano que, tomando por pilar a faculdade geral de cautela do juiz, tendeu a uma abertura inscritiva com robustez para suprimir o caráter formal do sistema de registro; nessa mesma trilha de critério diretamente judicial, já se tem decidido desde a postergação da ordem do protocolo registral até a inscrição liminar de escrituras; em outras palavras, diga-se sem quebra da devida reverência, é a presença do ativismo judicial no âmbito do registro. De toda a sorte, a despeito do enunciado no art. 301 do Código de processo civil, permanece controverso o tema da ressentida falta da metódica de provisoriedade da inscrição do protesto, o que, por óbvio, torna não raro injustamente perseverantes e contraeconômicos os efeitos dessa inscrição.

 

Não parece convir o registro imobiliário das possessões, e a experiência no direito estrangeiro não é das mais animadoras em admitir esse registro. Já no plano doutrinário, a posse –que é de notoriedade intrínseca– suplementa-se de dois modos pela publicidade registral: primeiro, porque o registro visa exatamente a dar visibilidade às situações que não sejam intrinsecamente manifestas (cf. Vallet); de sorte que não aparenta caiba ao registro converter o notório intrínseco (a posse natural) em notório extrínseco (posse registral). O segundo modo é o resultante da presunção possessória oriunda da publicidade relativa a titularidades jurídico-reais (por evidente, isto apenas concerne aos casos em que essas titularidades correspondam a exercício fenomênico de posse; não se atende, pois, às hipóteses do crédito hipotecário ou do penhor sem deslocação possessória). O que não parece convir, saliente-se, é a inscrição autônoma da posse, porque pode ocorrer um conflito entre possessões (a factual e a tabular), e, então, se verá o complicado que há seja em admitir a concorrência de uma notícia formal de posse (a possessão registrária) com uma afirmação de posse fática, seja também em permitir o uso de interditos com o só apoio em prova de posse apenas registral.

 

  1. Antes de passar ao exame específico dos institutos do arresto, do sequestro e da penhora –o que se fará nesta ordem–, parece oportuno um brevíssimo apontamento sobre a natureza de sua inscrição predial.

 

No Brasil, desde a vigência da Lei brasileira 11.382/2006 (de 6-12), que alterou vários dispositivos do Código de processo civil de 1973, inclinou-se a legislação a adotar expressamente a posição doutrinária que entendia ser meramente de publicidade notícia a inscrição da penhora, do arresto e do sequestro. Com efeito, duas regras concorreram a esse resultado; primeira, porquanto, instituído, então, o que se designou de averbamento premonitório (caput do art. 615-A do Código), previu-se em seguida (§ 3º do mesmo art. 615-A): “Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593)”; segunda, a nova redação da regra do § 4º do art. 659 do Código: “A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial”. Dessa maneira, suplantou-se, entre nós, a posição doutrinal que sustenta o caráter constitutivo do registro das medidas constritivas (p.ex., era o entendimento de Roca Sastre, que acena, em quadro símile, a uma afetação de tipo hipotecário; para uma forte e persuasiva crítica à posição de Roca Sastre, vidē Rifá Soler, La anotación preventiva de embargo, p. 154 et sqq.).

 

O vigente Código de processo civil (ou seja, o de 2005) repisou a linha traçada com a Lei 11.382, repetindo-se, no § 4º do art. 828 do Código, a regra do § 3º do art. 615-A do Código anterior, e assentando-se no art. 844: “Para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial”. Além disto, impôs-se no art. 799 do novo Código incumbir ao exequente “proceder à averbação em registro público do ato de propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento de terceiros” (inc. X), e ficara dito já no art. 792 que “a alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;  II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude”.

 

Sublinhe-se que a previsão do inciso IV desse mesmo art. 792 remata a afirmação de que, entre nós, o registro das medidas constritivas tem caráter apenas de publicidade notícia, pois o Código admite a persistência do efeito preferencial da constrição ainda quando falte a inscrição, sempre que ao tempo da alienação ou da oneração do bem constrangido, tramite contra o devedor “ação capaz de reduzi-lo à insolvência”.