Sobre o registro das incorporações, instituições e convenções de condomínio (sqq. -décima-segunda parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 247)

                               Des. Ricardo Dip

           911. Continuando o percurso do art. 32 da Lei brasileira 4.591, de 1964, dispositivo que trata do título complexo para o registro da incorporação imobiliária, considerando agora o que se indica em sua alínea e: “cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída”.

              Tal se vê, a norma de regência impõe a indicação de três áreas: (i) a global da edificação; (ii) a das partes comuns do edifício; (iii) a relativa a cada unidade construída. Por área de uma coisa entende-se a medida de sua superfície plana recortada no espaço, é dizer limitada por outras coisas com que confine.

              A importância do cálculo das áreas da incorporação condominial diz respeito não só à “constituição da propriedade imobiliária sob esse regime especial [ou seja, o da Lei 4.591]” (Melhim Chalhub, o.c., p. 66), mas também, quando o caso (construção por empreitada e por administração), para a proporcionada responsabilidade de cada adquirente pelo custeio da construção (id.). No mesmo sentido, Vitor Kümpel e Carla Ferrari: “É por meio da medição das áreas de construção que se obtém a definição de cada unidade autônoma, bem como a respectiva área útil e construída. Cada unidade é devidamente identificada e discriminada com a área privativa e a área comum. A cada unidade corresponderá uma fração ideal do terreno e das áreas comuns, sendo a soma de todas as áreas equivalente à área total” (o.c., tomo II do vol. 5, p. 2.452).

              Tamanha essa importância do cálculo das áreas, a Lei 4.591 dispôs, em seu art. 53, que o poder executivo (federal), por meio do Banco Nacional de Habitação, celebraria contratos com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (Abnt) para a elaboração de uma série de regras, entre as quais as relativas às “áreas de construção” (letra c do § 1º).

              A Abnt é uma entidade de direito privado, fundada em 28 de setembro de 1940, sem fins lucrativos, e que tem, como primeira de suas normas estatutárias, a elaboração de “Normas Técnicas Brasileiras como Fórum Nacional de Normalização” (art. 1º de seus estatutos, com o texto da consolidação de abril de 2018), compreendendo-se a ideia de «normalização» como a racional uniformização de processos e produtos, cabendo aqui salientar que a Abnt foi um dos fundadores da International Organization for Standardization (ISO).

              Lei de 1962 –a de n. 4.150 (de 21-11)– previra já que “nos serviços públicos concedidos pelo Governo Federal, assim como nos de natureza estadual e municipal por ele subvencionados ou executados em regime de convênio, nas obras e serviços executados, dirigidos ou fiscalizados por quaisquer repartições federais ou órgãos paraestatais, em todas as compras de materiais por eles feitas, bem como nos respectivos editais de concorrência, contratos, ajustes e pedidos de preços será obrigatória a exigência e aplicação dos requisitos mínimos de qualidade, utilidade, resistência e segurança usualmente chamados «normas técnicas» e elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (…)” (art. 1º), associação essa tida por de utilidade pública (art. 5º da mesma Lei 4.150).

              Vigora atualmente, quanto aos “critérios para avaliação de custos unitários, cálculo do rateio de construção e outras disposições correlatas, conforme as disposições fixadas e as exigências estabelecidas na Lei Federal 4.591/64”,   a NBR 12.721, versão 2006, que, expedida pela Abnt, substituiu o texto de 1999, por sua vez substituinte da NBR 12.721 de 1º de agosto de 1992.

              Entre os vários  quadros previstos na NBR 12.721, dois há que se referem aos cálculos de áreas, indicando-se devam eles assinar-se pelo incorporador e por um profissional responsável, este com informação do número do registro correspondente no órgão profissional. A Lei brasileira 6.496, de 7 de dezembro de 1977, instituiu a anotação de responsabilidade técnica, dispondo em seu art. 1º: “Todo contrato, escrito ou verbal, para a execução de obras ou prestação de quaisquer serviços profissionais referentes à Engenharia, à Arquitetura e à Agronomia fica sujeito à «Anotação de Responsabilidade Técnica» (ART)”. Essa anotação de responsabilidade técnica consiste no “instrumento que define, para os efeitos legais, os responsáveis técnicos pela execução de obras ou prestação de serviços relativos às profissões abrangidas pelo Sistema Confea/Crea” (Resolução n. 1.025, de 30-10-2009, expedido pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – Confea; não custa dizer que essa Resolução 1.025 se emitiu ao tempo em que o Confea era o órgão regulamentador também das atividades dos arquitetos; calha que, com o advento da Lei n. 12.378, de 31-12-2010, os arquitetos já não se subordinam ao Confea, senão que ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e aos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal. Mas essa mesma Lei n. 12.378 previu o registro de responsabilidade técnica: “Toda realização de trabalho de competência privativa ou de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas será objeto de Registro de Responsabilidade Técnica - RRT” -art. 45).

              Flauzilino dos Santos sustenta que as assinaturas do incorporador e do engenheiro responsável pela obra devem identificar-se por extenso –“em caneta ou por carimbo”–, exigindo-se, ainda, o reconhecimento de suas firmas  “por tabelião de notas da localidade de situação do imóvel incorporado” (o.c., p. 228). Por mais, além disso, assim observou Mario Pazutti Mezzari (também entendendo caber o reconhecimento notarial das firmas do incorporador e do profissional responsável técnico), ainda que a elaboração desses quadros seja “de ordem eminentemente técnica”, o que envolve “grau de complexidade, que é inatingível pela compreensão mediana”, de modo que os cálculos sejam apropriados aos engenheiros e arquitetos (o.c., p. 201), e ainda que, nos termos do que dispõe o § 9º do art. 32 da Lei 4.591, o oficial de registro não responda pela exatidão desse cálculo (o texto do aludido § 9º desse art. 32 proveio do art. 10 da Lei 4.864, de 29-11-1965), não por isso deve o registrador abdicar da atenção –que há de assumir em “forma inflexível” (Flauzilino dos Santos, l.c.)– no exame dos quadros de áreas, competindo ao mesmo registrador examinar, entre outros pontos, (i) se essas áreas indicadas na documentação correspondem à constante da matrícula do imóvel, (ii) se a soma da frações ideais relativas às unidades se ajustam à metragem quadrada total do terreno, (iii) se o projeto construtivo é regular no que concerne às vagas de garagem (Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 229), (iv) se há harmonia entre o constante dos quadros apresentados e os que componham o memorial de incorporação e o projeto aprovado (Mezzari, o.c., p. 202).

              Tal o fez ver ainda Mario Mezzari, a cautela de cotejar esses dados ensejou-lhe, por uma experiência profissional (por então) de duas décadas e meia, a conclusão de que, “raramente”, tenha sido possível, prontamente, aprovar o título apresentado –com divergências relativas ao quadros de áreas–, levando-o a indicar as divergências para os fins de seu esclarecimento e, quando o caso, correção, de sorte que, com isto, eximiu-se da responsabilização penal prevista no § 7º do art. 32 da Lei 4.591/1964 (o.c., p. 203).