Sobre o registro dos loteamentos urbanos e rurais (segunda parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 257) 

                     Des. Ricardo Dip

 

              928. Como ficou dito, o registro especial do parcelamento do solo urbano −isto é, a rigorosa observância do disposto nos arts. 18 e 19 da Lei brasileira 6.766/1979− tem caráter absoluto quanto aos loteamentos, mas admite dispensa, de maneira excepcional, quanto aos desmembramentos.

              Consideremos, brevitatis causa, acerca dessa dispensa exceptiva do registro especial do desmembramento, o que a seu propósito sustentou Elvino Silva Filho no artigo “O desmembramento perante o registro de imóveis” (cf. Doutrinas essenciais, cit., vol. IV, p. 285 et sqq.). Não sem antes observar que a Lei 6.766, de 1979, prescreveu a novidade legislativa de o desmembramento atrair registro stricto sensu “com as mesmas formalidades previstas para o loteamento” (p. 294), o que o autor escorou nas normas dos arts. 18, 37 e 38 dessa Lei 6.766, indagando-se se ela, ao exigir o registro do desmembramento, teria suprimido ou revogado “a averbação do desmembramento prevista pela Lei de Registros Públicos (art. 167, II, n. 4, e parágrafo único do art. 246)” (p. 295), supressão ou revogação que rejeita: “A Lei dos Registros Públicos está plenamente em vigor, mesmo em relação aos desmembramentos urbanos (…)” (p. 303).

              Para concluir em que sejam averbáveis alguns desmembramentos, Elvino Silva Filho distinguiu, de um lado, o desmembramento de gleba, e, de outro, o desmembramento de imóveis de área de relativamente menor tamanho. Apenas o desmembramento de gleba −“porção de terras de tamanho considerável” (p. 296)−, ou, em outros termos, “o desmembramento de terras que possibilite um número razoável de lotes para a sua venda e comercialização” (id.), só esse desmembramento, segundo o autor, sujeita-se ao registro especial previsto nos arts. 18 e 19 da Lei 6.766, de 1979. Não, contudo, “um desmembramento de uma área de terreno, incluída dentro de uma quadra, cercada de vias públicas, já inteiramente urbanizada, contendo construções, cuja área seria subdividida em alguns lotes (…)” (p. 297).

              Decerto não é exauriente esse critério indicado pela doutrina de Elvino Silva Filho −assim, por exemplo, não se admitirá a dispensa do registro especial quando se tratar de desmembramentos sucessivos, nos quais se aviste ser a fragmentação gradual um modo de frustração da normativa do parcelamento do solo urbano; todavia, ao revés, admitir-se-á a dispensa relativamente a parcelas em que já haja construções; também nas hipóteses em que não se caracterize empreendimento imobiliário. Mas isso não impede que se reconheça o caráter primal da doutrina de Elvino Silva Filho. Com efeito, nem todos os desmembramentos devem subordinar-se ao registro especial, cabendo prudente apreciação, em cada caso, pelo oficial imobiliário. E, quando não se haja de exigir esse registro especial, nenhum ato, em rigor, deve praticar-se no ofício predial quanto ao desmembramento, salvo que, ao se abrirem matrículas para as áreas segregadas, façam-se as averbações de destaque (ou desfalque) dessas áreas na matrícula do imóvel objeto da segregação (item 4º do inc. II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973).

              O saudoso Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, em Como lotear uma gleba (cita-se pela ed. 2012, que foi a terceira), resumiram bem essa questão (p. 353-356), observando ser necessário, para o discrimen acerca da necessidade do registro especial, “associar o critério objetivo da quantidade de unidades imobiliárias resultante do desmembramento com os outros elementos próprios de cada caso para, então, saber com precisão se estamos (ou não) diante de situação de dispensa de registro especial” (p. 355).

                929. Visitemos agora, ainda que brevemente, as exigências para esse registro especial, assim as previstas no art. 18 da Lei 6.766, a que sucedem ainda as indicadas em seu art. 19.

              Consta do caput desse dispositivo do art. 18 que, aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, deve o loteador submetê-lo ao registro de imóveis competente dentro no prazo de 180 dias, “sob pena de caducidade da aprovação”.

               O tema referente a essa aprovação foi examinado minuciosamente por Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei, dedicando-se eles, primeiro, aos projetos correspondentes −quais o urbanístico e o de infraestrutura: de terraplenagem, de drenagem superficial, de sistema de abastecimento de água, de sistema de esgotos sanitários, de pavimentação, de sistemas elétricos, de paisagismo e ambientais (p. 179-248). Na sequência, os autores versaram o que se pode designar de verdadeira via crucis da aprovação burocrática (p. 249-26), e, a propósito, bem distinguiram entre essa exigível aprovação municipal do parcelamento (ou seja, o ato de sua licença expedido pela municipalidade) e as anuências prévias emitidas por outros órgãos públicos (p. 331). Em contraste com o entendimento de José Renato Nalini e de Diógenes Gasparini, para os quais, uma vez consumado o prazo de decadência previsto no caput do art. 18 da Lei 6.766 (qual o de 180 dias) −prazo esse que se conta da aprovação municipal−, também se afligiriam os atos de anuência prévia, Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei abonam a orientação diversa, no sentido de que a referida caducidade atinge “apenas e exclusivamente o que o legislador federal consagrou: a aprovação pela Prefeitura Municipal, a última, a derradeira (…)” (Gilberto Valente da Silva, p. 332).

              Juntamente com a aprovação do projeto do parcelamento, deve o parcelador apresentar ao registro imobiliário a série de documentos alistada no mesmo art. 18 da Lei 6.766, a começar pelo título de propriedade do imóvel objeto ou certidão de sua matrícula (inc. I), ressalvando-se sua dispensa na hipótese “de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação” (§ 4º, incluído pela Lei 9.785, de 19-1-1999), exigindo-se, então, apresentem-se “com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos” (§ 5º, também com inclusão mediante a Lei 9.785/1999).

              A formação de autos relativos ao processo de registro especial do parcelamento justifica a apresentação do “título de propriedade ou certidão da matrícula” (inc. I do art. 18 da Lei 6.766), permitindo a eventuais adquirentes das parcelas segregadas o autônomo exame da situação jurídica do imóvel. Não fora assim, apenas seria justificável exigir essa apresentação quando o imóvel segregando pendesse de registro no cartório então competente para inscrever o parcelamento (isto é, em casos de mudança de competência territorial, registrado o imóvel em ofício não mais competente para a inscrição do parcelamento).

              Assinale-se que a normativa prevê a apresentação do título de propriedade do imóvel ou da certidão da matrícula, de maneira que bastará, para satisfazer a exigência do inciso I do art. 18 da Lei 6.766, o certificado da matrícula do imóvel, o que, entretanto, não dispensará −agora para observar-se o disposto no inciso II do mesmo art. 18− a exibição dos títulos dominiais.

              É o de que se tratará em seguida.