(da série Registros sobre Registros n. 408)
Des. Ricardo Dip
1.214. Tratando ainda do averbamento da locação imobiliária para fins de exercício do direito de preferência, matéria objeto do item 16 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, examinemos agora, brevemente que o seja, o histórico recente dessa específica possibilidade de averbação do inquilinato.
Foi com a Lei 8.245, de 18 de outubro de 1981, que, como previsto em seu art. 81, adicionou-se o aludido item 16 ao inciso II do art. 167 da Lei de registros públicos.
Ao editar-se essa Lei 8.245 −normativa especial referente a locações de imóveis urbanos− vigorava ainda, entre nós, o Código civil de 1916, prevendo-se, então, no art. 1.149 desse Código: «A preempção, ou preferência impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de preleção na compra, tanto por tanto».
Já havia na Lei 3.912, de 3 de julho de 1961, um dispositivo (o de seu art. 9º) que estendia legalmente à locação de imóvel urbano a preferência, que, mais estrita, era só contratual segundo a previsão do art. 1.149 do Código civil de Beviláqua. Lia-se nesse art. 9º: «Em caso de alienação do imóvel locado, o inquilino, em igualdade de condições, preço e garantias, terá sempre a preferência para a sua aquisição, a ser manifestada dentro de 30 (trinta) dias, a partir da data em que o locador lhe comunicar, por escrito, a intenção e a forma de vendê‑lo».
Esse dispositivo da Lei 3.912 foi, no entanto, revogado com o advento da Lei 4.494, de 25 de novembro de 1964 −outra normativa reguladora da locação de imóveis urbanos (cf. art. 42)−, dispondo-se acerca do tema da preferência, entre outros preceitos, no art. 16 da nova lei: «No caso de venda, de promessa de venda e de promessa de cessão, tendo por objeto prédio residencial, o locatário terá preferência para a sua aquisição, procedendo-se segundo os termos e condições previstos nos arts. 1.149, 1.151, 1.153, 1.154 a 1.157 do Código Civil, ressalvada prioritariamente a faculdade reconhecida ao condômino para a aquisição e resolvendo-se em perdas e danos o descumprimento da obrigação».
A Lei 4.494 foi revogada em 1979, por força da Lei 6.649 (de 16-5; cf. inc. III do art. 59). Manteve-se, porém, o direito de preferência aquisitiva pelo inquilino: «No caso de venda, promessa de venda, ou cessão de direitos, o locatário tem preferência para adquirir o prédio locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento do negócio, mediante notificação judicial ou comprovadamente efetuada» (art. 24).
A Lei 6.649, de 1979, revogou-se, enfim, pela atual Lei do inquilinato, a Lei 8.245, de 1991, que prevê em seu art. 27: «No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar - lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca».
Ressalvou-se nessa Lei 8.425 −o que, aliás, ao menos em parte, já fora objeto de símile previsão em normas anteriores (cf. § 4º do art. 24 da Lei 6.649, e § 4º do art. 16 da Lei 4.494): «O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação» (art. 32).
Avultam a propósito do exercício desse direito de preferência os dispositivos de seus arts. 33 e 34:
• art. 33: «O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
Parágrafo único. A averbação far-se- á à vista de qualquer das vias do contrato de locação desde que subscrito também por duas testemunhas.»
• art. 34. «Havendo condomínio no imóvel, a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário».
Parece bastante provável, tal já se indicara na exposição anterior desta série, que a previsão do art. 33 da Lei 8.425 dê amparo à conclusão de que, suposto seu regular averbamento na matrícula do imóvel, deva reconhecer-se a natureza jurídico-real dessa locação. Ou seja, ela adquire, com sua averbação, as características próprias de um direito real, designadamente sua oposição erga omnes e o atributo da sequela: «O locatário preterido no seu direito de preferência poderá (…) haver para si o imóvel locado (…)», mas isso desde que «o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel».
Assim, está-se, pois, diante de uma averbação constitutiva de direito real, o que é um modo de técnica heterodoxa no registro, predominando que a constituição de direito se faça mediante registro em sentido estrito.
Seria bem-vinda, portanto, em um futuro muito esperado Código de registro imobiliário que se altere esse modo de inscrição das locações para fins de exercício do direito de preferência.
Aliás, talvez sequer fosse hipótese de estabelecer duplicidade de inscrições, uma para fins dessa preferência, outra para os de vigência. A economia de tempo, esforços e despesas é a regra de ouro de todos os processos, incluído o do registro.
Enfim, como efeitos da vulneração do direito de preferência, a Lei 8.245, de 1991, estatui:
• o direito indenizatório, por perdas e danos (primeira parte do art. 33), ou, • com o depósito do preço aquisitivo do imóvel e de outras despesas com sua transferência, a aquisição do prédio pelo locatário, como visto, «se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel» (segunda parte do art. 33).