Sobre a determinação jurídica extrajudicial (parte 9)

Des. Ricardo Dip

Ao tratar, em sua Metodología jurídica (Madrid, Civitas, 1988) da compreensão dos fatos no processo de determinação jurídica, Vallet de Goytisolo começa pela qualificação do jurídico na relação com o factual: “Es jurídico todo hecho real, óntico, si, además, tiene significación jurídica” (p. 400).

           Uma compreensão de fatos pode realizar-se por diferentes perspectivas: uma pessoa apresenta-se num hospital com uma lesão no braço; ao médico, o fato que interessa é o da vulneração corporal a cuja cura se projeta; o jurista, diversamente, sendo o caso, deve considerar o fato à luz de sua «significação jurídica»: foi uma conduta criminosa a causa dessa lesão? Deverá a pessoa lesionada afastar-se do trabalho? Et reliqua...

           Ou seja, o mesmo fato pode compreender-se sob o ângulo de um tratamento médico e sob o de um tratamento jurídico.

           Esse tratamento ou compreensão do fato a partir de uma perspectiva jurídica exige, pois, recortar da factualidade bruta o que é próprio do interesse para o direito (ao jurista não importará se a terapia médica exigirá uso de antibiótico ou de anti-inflamatório).

           Mas há algo que interessa tanto ao médico, quanto ao jurista, na compreensão do fato de que estamos cuidando nesse exemplo.

           Se o médico quer exercitar adequadamente a arte da medicina deve considerar a lesão realmente ocorrida, e não, arbitrariamente, alguma afecção que imagine com desapego da realidade.

           E a mesma coisa deve passar-se com o jurista, que deve representar intelectualmente o fato exterior com objetividade, é dizer, tal como esse fato é como fenômeno.

           Para isso concorrem os meios de confirmação.

           Da mesma sorte que um médico, para melhor firmar uma diagnose sobre dada lesão, pode valer-se de exames complementares à apreciação clínica (p.ex., raio x, tomografia, ressonância magnética, ultrassom), também o jurista há de valer-se dos meios de prova para confirmar-se que o fato objeto se produziu (i.e., atualizou-se) do modo como se apresenta percebido num primeiro momento de seu processo discursivo.

           Todo esse processo de compreensão (jurídica) de um fato concreto pode dividir-se em etapas, às quais se dão os nomes correspondentes. Não é esta, entretanto, a ocasião propícia a uma apreciação teórica minuciosa, até porque me dirijo, sobretudo, a quem já possui experiência prático-prática. O que, isto sim, parece-me relevante salientar é a necessidade de ser fiel à realidade das coisas, de ser leal às res naturæ e à natura rerum −às coisas da natureza e à natureza das coisas.

           Para quem, contudo, almeje estudar mais detidamente o assunto, penso sugerir, além da obra de Juan Vallet, um interessante livro de Théodore Ivainer (L’interprétaion des faits en droit, Paris, Lgdj, 1988, 361 p.).