Sobre a determinação jurídica extrajudicial (parte 12)

           Des. Ricardo Dip

Em busca de fundamentos para o processo discursivo de determinação jurídica, ao tratarmos do capítulo da «compreensão dos fatos» fomos recolher na doutrina exposta por Juan Vallet de Goytisolo a indicação de que no conjunto desses fatos −chamemo-los «coisas»− convivem matéria e espírito.

           Dessa maneira, a ideia de «coisa» compreende a integralidade do universo, todas as res naturæ, (e secundum naturam!) assim as coisas materiais e as espirituais, as substâncias, os acidentes, as causas, as circunstâncias, os próprios homens.

           Não só −e é bem de agora acentuar isto− a totalidade do universo criado, mas também a Causa primeira das criaturas (trata-se aqui de um tema de filosofia −se se quiser, de teologia racional−, não de teologia revelada ou de religião).

           Salientamos já que a perspectiva jurídica que se exige no processo de determinação em exame leva a que se considere, indispensavelmente, quanto à compreensão dos fatos, a causa final da atividade do jurista.

           As correntes positivistas contentam-se com aplicar aos fatos as vogais, as consoantes e as vírgulas de um texto publicado pelo diário de leis, a intuição de turno ou a vontade negativamente livre do decisor. Ao pensamento iusnaturalista clássico apresentam-se, diversamente, como causa final da determinação jurídica o encontro da res iusta e a observância do dever de ser pontualmente justo.

           Podemos perguntar-nos, no entanto, se e por qual motivo nos obrigamos efetivamente a ser justos.

           Os positivistas de todo gênero (voluntaristas, formalistas, sociologistas etc.) dirão que isso é uma imposição política ou resultante da lei ou do fato social. Por sua vez, o iusnaturalismo tradicional firma-se em que o «justo», que é o objeto da virtude da justiça, é antes um dever do que um direito: ser justo é observar um dever (debitum), por mais que essa obrigação (obligatum) se correlacione com o direito de outrem (ius subjectivum).  

           Esse dever de ser justo, ainda que possa ancorar-se proximamente nessa relação de alteridade (i.e., trata-se de um dever ad alterum), fundamenta-se mais além do direito subjetivo no dever de aperfeiçoamento da natureza de cada pessoa. É porque devemos retificar nossas condutas para atender à nossa natureza racional que devemos ser justos.

           Isso quer dizer, em resumo, que o direito ostenta um caráter pré-moral ou metamoral −ou seja, sem embargo de sua subalternação à ética, o direito tem um fundamento anterior, que é de ordem metafísica: é para satisfazer nossa natureza humana que devemos ser justos.

           Leio agora uma lição de Victorino Rodríguez, cujas meditações nos serviram de guia para esta página:

No decimos que una persona sea buena o justa por tener derechos o por tener deberes (cualidades ontológico-metafísicas de la persona), sino por cumplir sus deberes para con los demás y por satisfacer sus propias exigencias de perfección social (…)” (in Temas-clave del humanismo cristiano, Madrid, Speiro, 1984, p. 278-279).

             O direito, enfim, é uma relação antropológica e metafísica que fundamenta a vida moral na ordem da justiça. Temos o dever de ser justos porque temos a inclinação −natural− de observar os preceitos da lei da natureza e os deveres naturais.

           Prosseguiremos.