(da série Registros sobre Registros n. 436)
Des. Ricardo Dip
1.247. O item 36 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, trata da averbação “do processo de tombamento de bens imóveis e de seu eventual cancelamento, sem conteúdo financeiro”.
Essa previsão incluiu-se na Lei 6.015 com a Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, lei esta última que versa acerca do Sistema eletrônico dos registros públicos (Serp), e que, tanto aqui interessa dizer, acrescentou ao rol dos títulos objeto de registro stricto sensu do inciso I do art. 167 da mencionada Lei 6.015 um item (n. 46) relativo ao «ato de tombamento definitivo, sem conteúdo financeiro».
Uma e outra dessas inclusões −para levar o tombamento ao ofício imobiliário− respondem, na esfera normativa subconstitucional, ao que tende a Constituição brasileira de 1988, dispondo esta, no § 1º de seu art. 216: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.
Já deixamos dito, ao tratar do registro imobiliário stricto sensu do «tombamento», que esse termo corresponde tanto ao ato, quanto ao efeito de tombar, ou seja, em acepção bastante larga, importa, na expressão de Rodrigo Fontinha, no «inventário ou registo de bens imóveis, com suas confrontações, rendas, direitos, encargos, etc.” (Novo dicionário etimológico da língua portuguesa). O vocábulo −segundo Cândido de Figueiredo− provém do latim tumulus, tumuli (de segunda declinação, pois), ou, numa variação indicada por Francisco Torrinha, em seu Dicionário Latino-Português, de tumulus, tumulus (palavra de quarta declinação). Santiago Segura Munguía registra ambas essas origens (Nuevo dicionario etimológico latín-español y de las voces derivadas), e a isso cabe ainda referir o verbo latino tumulo (infinitivo tumulare = enterrar, sepultar).
De Plácido e Silva, no quinto volume de seu Vocabulário jurídico, observou que «tombar» é, na terminologia estrita do direito, mas catalogar, inscrever imóveis com suas descrições. Poderíamos dizer, num primeiro plano, cadastrá-los na esfera administrativa, e, ainda, mas como um posterius lógico e cronológico, registrá-los com suas demarcações. Disse De Plácido que o tombamento corresponde, propriamente, ao «cadastro predial da atualidade».
Como também já indicamos, ensinou Hely Lopes Meirelles que as «expressões Livros do Tombo e tombamento provêm do Direito Português, onde a palavra tombar significa inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo» (Direito administrativo). Chama-se agora Castelo de São Jorge o que antes se nomeava Castelo de Lisboa, situado no bairro lisboeta de Alfama; construiu-se com duas partes distintas: uma, civil, designada com o termo Alcaçova, e, outra, militar. Ali, na Alcaçova, residiram os monarcas portugueses, e, nesse castelo, construiu-se uma torre −uma torre de menagem (ou seja, uma torre principal)−, torreão que veio a denominar-se Torre do Tombo. Pois bem, foi nessa torre que se instalou, em 1378 −durante o reinado de Dom Fernando I (1345-1383)− o arquivo central português, chamado “Real Archivo da Torre do Tombo” −ou ainda Torre do Tesouro (foi guarda-mor desse arquivo o consagrado historiador Fernão Lopes -c. 1380 -c. 1460). A torre foi destruída com o terremoto de 1755. (Parece-me bem sugerir aos que tenham interesse pela história desse arquivo a obra de dois seus conservadores Pedro Augusto de Azevedo e Antonio Baião, O archivo da Torre do Tombo, estudo publicado em Lisboa no ano de 1905).
Ao passo em que o item 46 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015 se remete ao registro do tombamento definitivo, já agora o item 36 do inciso II desse mesmo art. 167 trata da averbação do tombamento provisório. É a essa ideia de «tombamento provisório» que deve reportar-se a enunciação de legal de que se averbe no ofício imobiliário o “processo de tombamento de bens imóveis e de seu eventual cancelamento, sem conteúdo financeiro”.
Vejamos o que, a propósito, dispõe o Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, normativa que visa a organizar a proteção do patrimônio histórico e artístico brasileiro. Lê-se no caput de seu art. 10:
• “O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.”
Assim, uma vez inscrito o bem no Livro do Tombo −é dizer, num dos quatro livros instituídos com o Decreto-lei 25, a saber (1) Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; (2) Livro do Tombo Histórico; (3) Livro do Tombo das Belas Artes; ou (4) Livro do Tombo das Artes Aplicadas−, tem-se já o tombamento definitivo.
Provisório será o tombamento quando o processo de sua inscrição no Livro do Tombo se tenha iniciado, assim o diz o Decreto-lei 25, com sua notificação.
O tombamento poderá ser voluntário ou compulsório: “O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente” (art. 6º do Dec-lei 25). Prossegue o art. 7º: “Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.”
Tenha-se em conta o que diz o art. 9º desse mesmo Decreto-lei 25:
• “O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação;
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo;
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.”
Caberá, pois, ao registrador de imóveis, para averbar o tombamento provisório a confirmação de que o processo desse tombamento, quando compulsório, foi notificado, ou que seja ele voluntário, caso em que a notificação é despicienda.
