Sobre a determinação jurídica extrajudicial (parte 13)

                                                            Des. Ricardo Dip

Ainda −e agora para finalizar− no tratamento sumário da «compreensão dos fatos» no âmbito do processo de determinação jurídica, consideraremos agora a dupla maneira como chegamos a essa compreensão e o caminho para obtê-la.

           Claro está, e bom é salientar isto, que estamos cuidando concisamente de um assunto muito complexo, mas ao menos deixemos estabelecidas suas linhas gerais.

           Tenhamos em conta que um dado fato deva ser compreendido por um juiz, um advogado, um promotor público, um notário, um registrador, enfim, um jurista que tenha o objetivo de determinar o justo concreto. Aqui é preciso distinguir, com Vallet, que o saber prático no plano jurídico pode ser de dois modos: por um deles, o de que se trata é de captar e formular princípios, conduzir a formação de costumes e elaborar leis humanas (nessa elaboração se tem o campo que se diz próprio do legislador); pelo outro modo de saber prático, dá-se a determinação do justo concreto.

           Ao acercar-se do fato a compreender, tem o jurista (juiz, advogado, promotor, notário, registrador, et reliqua) diante de si um fato bruto, que deve depurar −dele excluindo tudo o que careça de relevo para a determinação do «justo»; a essa primeira depuração, segue-se outra, que se dá pela interpretação, já agora com o confronto da «lei», e, ao fim, chega-se à norma do caso (é dizer, ao que os alemães designam Fallnorm), a invenção (descoberta) da res iusta.  

           Isso não é tarefa nada simples, porque envolve −apenas para termos em conta uma das complexidades− a circunstância de que a compreensão pontual que se pretenda já, ela própria, tem de ter compreendido o que trata de compreender. É a isso, referindo-se à interpretação, que se denomina «círculo hermenêutico da pré-compreensão».

           Tenha-se em consideração que, presente essa ideia de «círculo hermenêutico», como o jurista, para a determinação do justo, passa do fato bruto ao fato do caso, que, por definição, é um fato que interessa ao direito, e já a mesma compreensão do fato vem, de modo inseparável (embora distinguível), tingida juridicamente.

           Da mesma sorte, porém, como a compreensão do fato se precede de alguma compreensão da norma, também a compreensão da lei se contempla sob a luz do fato em que se vai inventar a res iusta.  Um autorizado jurista contemporâneo, Miquel Casals i Colldecarrera, que foi presidente da Real Academia de Jurisprudencia y Legislación da Catalunha, disse muito bem que o fato do caso é um fato vital, e que “a norma jurídica não tem sentido quando não se refere a um fato vital”.

           Todavia, cabe acrescentar um passo a mais. A compreensão do fato do caso −do fato vital− não é apenas a de uma singularidade, ao modo nominalista, mas o da natureza da coisa (natura rei), porque as coisas têm por fim realizar sua natureza. E, além disso, deve considerar-se essa mesma natura rei no conjunto ordenado de todas as coisas, é dizer, da natureza de todas as coisas (natura omnium rerum). Como deixamos dito já nesta série “Claves notariais e registrais”: há uma arte do bom e do equitativo, “a ars boni et æqui a que já se referira o jurisconsulto Celso, é a que desenvolvem os juristas, em todo seu gênero, apoiados, se bem a querem exercitar, na realidade da vida −as res divinæ et humanæ−, a realidade integral que abarca todas as coisas, as coisas da natureza (res naturæ), mas também a natureza de todas as coisas (natura omnium rerum) e a natureza de cada uma delas (natura quisque rei)”.

           Prosseguiremos, tratando, na próxima semana, da «interpretação» como fase do processo de determinação jurídica.