(da série Registros sobre Registros n. 437)
Des. Ricardo Dip
1.248. Deixarei apenas referidas −com a só intenção de não saltar conscientemente nenhum dos pontos relativos ao registro de imóveis na Lei 6.015− as derradeiras duas hipóteses de averbação previstas no inciso II do art. 167 dessa lei, e, logo, trataremos do que dispõe seu art. 168.
Essas aludidas hipóteses, e parece-me bastante só apontá-las, sem exigência de exposições e explicações, são as
• (1) da extensão da garantia real de uma nova operação de crédito, tanto que a autorize a lei (item 37 do inc. II do art. 167, incluído pelo art. 5º da Lei 14.711, de 30 de outubro de 2023 −Marco Legal das Garantias), e
• (2) do contrato entre gerador e desenvolvedor de projeto de crédito de carbono, item 38 do inciso II do art. 167, incluído pelo art. 55 da Lei 15.042, de 11 de dezembro de 2024.
1.249. Cuidemos, pois, do art. 168 da Lei 6.015, que assim enuncia: “Na designação genérica de registro, consideram-se englobadas a inscrição e a transcrição a que se referem as leis civis”.
A Lei 6.015 entrou em vigor em 1976, quando ainda era vigente nosso Código civil de 1916. Abstraindo aqui de referências à legislação extravagante desse Código, apontemos nesse mesmo Código alguns poucos dos muitos usos dos vocábulos «transcrição» e «inscrição« (assim como de correlatos deles):
• Art. 73. A instituição [do bem de família] deverá constar de escritura pública transcrita no registro de imóveis e publicado na imprensa e, na falta desta, na da capital do Estado.
• Art. 135. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de transcrito no registro público.
• Art. 261. As convenções antenupciais não terão efeito para com terceiros senão depois de transcritas, em livro especial, pelo oficial do registro de imóveis do domicílio dos cônjuges (art. 256).
• Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:
I - Pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel.
• Art. 531. Estão sujeitos a transcrição, no respectivo registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.
• Art. 532. Serão também transcritos:
• Art. 533. Os atos sujeitos a transcrição não transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem (arts. 856, 860, parágrafo único).
• Art. 534. A transcrição datar-se-á do dia, em que se apresentar o título ao oficial do registro, a este o prenotar no protocolo.
• Art. 697. As servidões não aparentes só podem ser estabelecidas por meio de transcrição no registro de imóveis.
• Art. 698. A posse incontestada e contínua de uma servidão por dez ou vinte anos, nos termos do art. 551, autoriza o possuidor a transcrevê-la em seu nome no registro de imóveis, servindo-lhe de título a sentença que julgar consumado o usucapião.
• Art. 708. Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez transcrita, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada.
• Art. 709. O dono do prédio servente tem direito, pelos meios judiciais, ao cancelamento da transcrição, embora o dono do prédio dominante lhe impugne:
• Art. 715. O usufruto de imóveis, quando não resulte do direito de família, dependerá de transcrição no respectivo registro.
• Art. 753. A renda constituída por disposição de última vontade começa a ter efeito desde a morte do constituinte, mas não valerá contra terceiros adquirentes, enquanto não transcrita no competente registro.
• Art. 760. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a dívida não for paga. Extingue-se, porém, esse direito decorridos quinze anos do dia da transcrição.
• Art. 796. O penhor agrícola será transcrito no registro de imóveis.
Parágrafo único. Enquanto não cancelada, continua a transcrição a valer contra terceiros.
• Art. 808. O credor anticrético pode reivindicar os seus direitos contra o adquirente do imóvel, os credores quirográficos e hipotecários posteriores à transcrição da anticrese.
• Art. 811. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus reais constituídos e transcritos, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.
• Art. 837. Quando, antes de inscrita a primeira, se apresentar ao oficial do registro, para inscrever, segunda hipoteca, sobrestará ele na inscrição desta, depois de a prenotar, até trinta dias, aguardando que o interessado inscreva primeiro a precedente.
• Art. 838. Compete aos interessados, exibindo o traslado da escritura, requerer a inscrição da hipoteca; incumbindo especialmente promover a da legal às pessoas determinadas nos artigos seguintes.
• Art. 839. Incumbe ao marido, ou ao pai, requerer a inscrição e especialização da hipoteca legal da mulher casada.
§ 2º Consideram-se interessados em requerer a inscrição desta hipoteca, no caso de não fazer o marido ou o pai, o doador, a própria mulher e qualquer dos seus parentes sucessíveis.
• Art. 840. Incumbe requerer a inscrição e especialização da hipoteca legal dos incapazes:
• Art. 841. O escrivão, em se assinando termo de tutela ou de curatela, remeterá, de ofício, e com a possível brevidade, uma cópia dele ao oficial do registro de imóveis.
Parágrafo único. Na inscrição desta hipoteca se considerará interessado qualquer parente sucessível do incapaz.
• Art. 842. A inscrição da hipoteca legal do ofendido compete, além deste:
• Art. 845. As pessoas a quem incumbir a inscrição e a especialização das hipotecas legais ficarão sujeitas a perdas e danos pela omissão.
• Art. 848. As hipotecas somente valem contra terceiros desde a data da inscrição. Enquanto não inscritas, as hipotecas só subsistem entre os contraentes.
• Art. 856. O registro de imóveis compreende:
I. A transcrição dos títulos de transmissão da propriedade.
II. A transcrição dos títulos enumerados no art. 532.
III. A transcrição dos títulos constitutivos de ônus reais sobre coisas alheias.
IV. A inscrição das hipotecas.
Antes de prosseguirmos, parece relevante observar algo que vem da linguagem comum e que não pode ignorar-se na justificativa da prudente indicação do art. 168 da Lei 6.015. Vejamos: lê-se no Código de 1916: “escritura pública transcrita no registro de imóveis” (art. 73), “antes de transcrito no registro público” (art. 135), “pelo oficial do registro de imóveis” (art. 261), “transcrição do título de transferência no registro do imóvel” (art. 530), “transcrição, no respectivo registro” (art. 531), “apresentar o título ao oficial do registro” (art. 534), “transcrição no registro de imóveis” (art. 697), “transcrevê-la em seu nome no registro de imóveis” (art. 698), “transcrição no respectivo registro” (art. 715), “enquanto não transcrita no competente registro” (art. 753), “transcrito no registro de imóveis” (art. 796), et reliqua…
O vocábulo «registro», nessas expressões do Código civil de 1916, significa um lugar ubi (onde se realizam as atividades de transcrição e inscrição com objeto imobiliário) ou a instituição correspondente, assim pode entender-se o que se lê no art. 856, ao indicar-se que o registro de imóveis compreende a transcrição dos títulos de transmissão da propriedade, a dos títulos enumerados no art. 532 do mesmo Código, a dos títulos constitutivos de ônus reais sobre coisas alheias e a inscrição das hipotecas.
Ora, o que faz a Lei 6.015 é apontar uma nova acepção −chamemo-la normativa− para o termo «registro», que agora também significa, para atender ao constante das leis então vigentes, um gênero que compreende os conceitos de «transcrição» e «inscrição».
Não se vai ao ponto de dizer que a palavra «registro», antes da Lei 6.015, já não se usasse também com o sentido de ato, além do de lugar e de instituição. Mas era preciso, e o legislador foi de todo prudente nesse passo, solucionar um problema que não era só terminológico, mas categorial.
Prosseguiremos.
