Des. Ricardo Dip
Tal se indicou, o notário latino exercita, no plexo das atividades jurídicas, sobretudo as tarefas do respondere e do cavere, isto é, a de responder a consultas, dar conselhos e acautelar.
Aqui há uma questão interessante a considerar. Muito embora essa questão pareça apenas acadêmica, ela projeta efeitos institucionais relevantes.
É comum dizer-se que a magistratura notarial é uma instituição de justiça preventiva, nisto distinguindo-se da magistratura judiciária, instituição de justiça conflitual.
É verdade que a magistratura judiciária pode exercer alguma função preventiva; bastaria pensar nas meras autorizações judiciais, quando a lei as exija, ou nas atividades de homologação de acordos privados. Mas, em sentido geral, pode mesmo dizer-se que a magistratura judiciária é uma instituição que reparte o justo em situações de conflito.
Cabe, porém, indagar se é por igual verdade que sempre a magistratura notarial atue em caráter preventivo, ou se essa referência é também e somente de cunho geral.
Uma afirmação simplificadora −como a de que está vedada à magistratura notarial a atuação em casos de conflito− parece excessiva, com efeito. É da natureza da instituição do notariado latino a tarefa de conciliar interesses, não importa com qual gradação de divergência se mostrem esses interesses.
O tabelião de notas atua, muito frequentemente, em situações de conflitos latentes, e, não raro, em situações que, aparentando concordância, escondem potenciais discrepâncias, cujo aparo é missão do notário.
O que, isto sim, deve distinguir-se, é o fato de o tabelião de notas não decidir, por si próprio, conflitos entre seus clientes, porque sempre dependerá do consentimento inaugural (rogação) e perseverante desses clientes.
A simplificações como a que nos referimos agregam-se outras, tal, por exemplo, a de dizer-se que, dada a autonomia que é a marca da livre negociação de seus clientes, o tabelião de notas não intervém em seus negócios, senão que apenas recolhe esses negócios.
Isso contrasta, porém, com as funções do respondere e do cavere, porque exatamente compete ao tabelião de notas aconselhar e prevenir, intervindo nas tratativas negociais para que estas, fiéis à vontade dos clientes, não produzam resultados injustos ou inseguros.
De não ser assim, os tabeliães seriam reduzidos à tarefa de simples redatores, amanuenses limitados a relatar fatos que captam na realidade das coisas.
Em outras palavras, mais não haveria entre os documentos emanados da atividade do tabelião do que as atas notariais, e, de embrulho, sequer se poderia falar na independência jurídica de quem se incumbe da mera recolha de fatos.
Veja-se, pois, que erros teóricos são propícios a desfechos institucionais pouco ou nada felizes.
