Sobre a determinação jurídica extrajudicial (parte 21)

                                                            Des. Ricardo Dip

Deixamos dito que a determinação jurídica notarial corresponde a duas atividades, a do respondere e a do cavere. Para bem compreender-se a importância desta última −cujas espécies ínfimas é nosso propósito ir adiante indicando−, é preciso nunca perder de vista a ideia do em que consiste, por sua essência, o modelo funcional latino do tabelião de notas.

           O notário latino atua, ordinariamente, como terceiro imparcial, especializado juridicamente para, no exercício profissional, cooperar na preparação e na configuração de negócios jurídicos. É dizer que o notário atua no âmbito das determinações jurídicas resultantes da autonomia privada. Mas não o faz, isto disse António Rodríguez Adrados, ao modo de um taquígrafo que transcreve meramente as palavras dos clientes. O tabelião de notas −no molde da latinidade notarial− não é um amanuense, não é um copista, senão que é, isto sim, um jurista especializado que, nas situações normais da prática jurídica, intervirá na negociação dos outorgantes.

           A propósito disso, ensinou muito bem Juan Vallet de Goytisolo (cujas lições seguimos ao largo de toda esta pequena explanação): não é o estado quem concorre em apoio da autonomia privada, mas, diversamente, é o notariado quem empresta seu concurso, notariado que é, historicamente, instituição social anterior ao próprio estado. O que fez ao largo da história  −e deve ainda fazer o estado− foi e é subsidiar a atividade notarial, atribuindo aos tabeliães o poder de dar fé pública às escrituras. Mas isso não implica a estatalização do notariado, nem a negativa da mesma autonomia privada por força de intervenções estatais, porque, disse Vallet, “los particulares, cuando acuden al notario, pretenden realizar juridicamente sus propios fines, lícitos conforme al derecho, y no simplemente para cumplir lo ordenado en las leyes” (in Metodología de la determinación del derecho, 1996, tomo II, p. 1.121).

           Tomás Ogayar y Ayllón −que foi magistrado da Suprema Corte espanhola e acadêmico numerário da Real de Jurisprudencia y Legislación de Madrid− escreveu que “/l/a función notarial no sólo modela los actos jurídicos dentro de las categorías de la ley, sino que da paso a muchos tipos de figuras de relaciones jurídicas, porque el notario es un colaborador en el proceso dinámico de creación del orden jurídico, y de tal calidad que con frecuencia va a la vanguardia del legislador, preparando, con las costumbres notariales y los usos convencionales, revelados por leas escrituras públicas, la oportuna reforma legislativa” (in Aplicación notarial del derecho, apud Juan Vallet, Metodología de la ciencia expositiva y explicativa del derecho, 2002, tomo II, volume I, p. 535).

           Pois bem. Tomemos em conta, de início, os casos ordinários ou normais de atuação do notário, que são aqueles em que, já ficou dito, ele intervém na formação do negócio jurídico, e aí podemos considerar como núcleo do cavere notarial um conjunto de funções que, concorrentes, podem, no entanto, distinguir-se.

           Com efeito, a formação do negócio jurídico leva a que o notário −como já antes o referimos− participe da preparação e da configuração negocial,

•          sindicando a vontade dos clientes,

•          que, compreendida, exige interpretação

•          e adequação ao direito,

•          configurando-se, ao fim, em sentido próprio, o negócio jurídico objeto da outorga.

  Prosseguiremos.