Apreciar adequadamente o conceito e a realidade da «causa» no âmbito do direito exigiria um tratado de muitos volumes: pra ter-se disto uma ligeira ideia, bastaria pensar que não há obrigação em causa, tampouco direito real possível sem suas causas, e até para litigar, enfim, a demanda é uma causa.
O termo «causa», a despeito de alguma sua distinção na esfera dos vários segmentos jurídicos, espelha o conceito mesmo comum de «causa», que os dicionários semânticos registram com os sentidos de «razão», «fundamento», «motivo», «princípio», origem», «fim», «antecedente», «pretexto», «partido», «facção», «relação», «estado», «título», «litígio», «processo», questão», et reliqua…
Avancemos um tantinho nesta apreciação, começando pela origem de nosso vernáculo «causa», que provém do latim causa, causæ, cujas várias acepções perseveraram não só na semântica portuguesa, mas em muitos outros idiomas: assim, p.ex., no italiano causa (origine, motivo, ragione, obbietivo, scopo) e no francês cause (origine, motif, objet, raison, etc.). Mas de onde proviria o nome latino causa? Ernout e Meillet dizem que sua etimologia é desconhecida, de maneira que o sentido original não é determinável (le sens originel n’est pas déterminable), mas André Lalande põe em questão se causa não deriva de cavere (pôr em guarda, garantir-se contra alguma coisa, de onde seguemos vocábulos cautus −o avisado, o prudente−, præcaveo, præcautio, e nosso vernáculo «precaver»).
Mas, enfim, que é causa, essencialmente, ou melhor: que é causa, enquanto se considere o prius analógico de todos esses variados sentidos que se apontaram?
Lalande assinalou que esse termo é sempre correlato ao de efeito (toujours corrélatif à celui d’effet), e Jolivet, ao dizer que a causa é aquilo pelo qual uma coisa se realiza, também assenta essa correlação, porque a coisa que se realiza é o que designa «efeito». Isto já o havia dito S.Tomás de Aquino: “De toda causa deriva alguma ordem de seus efeitos… −a qualibet causa derivatur aliquis ordo in suos effectus… S.th., I, 105, 6). Embora caiba reconhecer-se nesse gênero de conceituação uma reciprocidade que parece desconcertar −pois, causa define-se o que produz o efeito, e efeito define-se o que é produzido pela causa−, é possível, entretanto, extrair desses conceitos o juízo de que a causa é um princípio que influi realmente na existência (esse) de uma coisa. Ou seja, toda causa é um princípio: qualibet causa habeat rationem principii (S.Tomás), mas não um princípio lógico, senão que um princípio de que procede realmente algo, é um princípio de realidade (de fato, dão-se casos em que um princípio não influi realmente na existência de outros entes: Ponferrada indica o exemplo do princípio de uma fila). De maneira tal que esse princípio −ou causa− é realmente distinto da coisa (ou efeito) que realiza.
Tenhamos em conta esta claríssima lição de Ceferino González, aqui vertida livremente ao português:
Quando concebemos uma coisa que passa do não ser ao ser, e ao mesmo tempo concebemos outro ser que contém a razão deste trânsito, logo nos vem a ideia de causa. Qualquer que seja a natureza do efeito que acompanha ou termina o trânsito e mutação do não ser ao ser, a razão não pode conceber a realização deste efeito, seja substancial ou acidental, sem referi-la a outro ser distinto em virtude do qual se verifique isto. Daí os dois axiomas: «o nada não pode ser causa de algo real», «não há efeito sem causa», axiomas que expressam relações necessárias entre estes dois conceitos.
Prosseguiremos.