Se o conceito de «causa» é implícito −é dizer, explicativo e não rigoroso−, isto se deve a que não tem um gênero a que submeter-se: esse gênero já seria ele próprio uma causa. Pode até dizer-se quase intuitiva a ideia de causa, porque há um desejo natural em todos os homens de conhecer a causa ao contemplar um dado efeito. E esse desejo natural, universal, de conhecer as causas das coisas é também algo que diz respeito às ciências, em que sempre há uma busca pelas causas daquilo que existe.
Causas daquilo que existe: como ficou antes já indicado, a causa é um princípio distinto da coisa (ou efeito) que ela produz. Por isso mesmo, uma boa definição de «existência» é a de estar fora das causas. Isto faz agora lembrar-me um episódio interessante, cujo protagonista foi o grande pensador português Leonardo Coimbra (1883-1936); tinha ele de proferir uma conferência no Porto, e diziam que ela iria abdicar de seu confessado agnosticismo; ia a tantas essa conferência quando, subitamente, Leonardo Coimbra falou de maneira pausada: “Deus não existe”… E prosseguiu, reiterando, Deus não existe, porque existir é próprio dos entes naturais, de uma pedra, de uma flor, de um animal… Não, concluiu, Deus não existe, Deus super-existe. E qual a razão disto? É que, sendo existir pôr ou estar fora das causas, não se pode dizer que “Deus existe”, porque Deus não pode ter causa.
A existência de uma Causa primeira incausada já era afirmação própria da filosofia, assim, p.ex., m com Aristóteles, o que nunca se pensou inibisse o concurso de causas segundas. Ou seja, as causas configuram modos distintos de causalidade (equivale a dizer que variam no sentido de modulação; cf. Agustín Riera Matute, La articulación del conocimiento sensible). Em outras palavras, a causalidade −que pode definir-se “o influxo da causa sobre seu efeito e relação fundada nesse influxo” (Walter Brugger)− não tem sentido real unívoco, porque ao lado de causas próximas, que realizam efeitos de modo imediato e das quais se ocupam as ciências particulares (assim, o aumento da pressão atmosférica é causa próxima do bom tempo; o coração é causa próxima da circulação sanguínea; a lei positiva é causa próxima do direito −cf. Alvira, Claves e Melendo, Metafísica), há causas mais ou menos aproximadas de um dado efeito até chegar a sua causa remota, que é aquela que se encontra ao começo de uma série causal. Conhece-se, a propósito, e até não é raro seu uso no âmbito do direito, o aforismo causa causæ causa causati est −a causa da causa é causa do causado (ou efeito).
Tomemos aqui, entretanto, para fins de melhor explicação, uma referência de natureza teológica: os atos humanos dirigidos à salvação procedem totalmente de Deus como de sua causa primeira, e todos eles, igualmente, de nós, como de sua causa segunda (neste sentido, por muitos que assim entendem, cf. um dos maiores pensadores do mundo contemporâneo, o dominicano Réginald Garrigou-Lagrange −1877-1964). Acrescente-se, no mesmo sentido, esta conhecida sentença de S.Agostinho: “Deus que te criou sem que tu agisses, não te santificará sem tua cooperação”.
Prosseguiremos, dividindo o conceito de causa e, a seguir distinguindo-se das condição e da ocasião.