Des. Ricardo Dip
Já fizemos referência à largueza com que se tem, em nossos tempos, estendido o significado do vernáculo «jurisprudência». É comum, por agora, que se fale em «jurisprudência administrativa«, expressão que hospeda não apenas decisões proferidas pelo poder judiciário −no exercício de função administrativa−, mas, igualmente, adotadas no âmbito dos outros poderes políticos e até mesmo pela administração descentralizada.
Quanto à jurisprudência judiciário-administrativa, pode ela dividir-se em ad intra e ad extra. Aquela refere-se a decisões administrativas que dizem respeito aos servidores do judiciário (magistrados, secretários, escreventes, oficiais de justiça). A jurisprudência que se diz ad extra dirige-se a questões relativas a particulares, tanto em geral (p.ex., decisões em processos licitatórios de interesse concreto do poder judiciário), quanto em um quadro específico e singular de pessoas e atividades submetidas, habitualmente, à supervisão judiciária, seja ou não com caráter hierárquico.
Essas mesmas jurisprudências ad intra e ad extra podem ter natureza comum ou disciplinar. Assim, é da jurisprudência ad intra quer a decisão acerca de pedidos de fruição de férias, de gozo de licença prêmio ou de licença compensatória, de compensação de faltas, etc., quer a decisão que aplica uma penalidade, por exemplo, quanto a magistrados, a sanção de disponibilidade, de remoção compulsória, de censura, etc.
O mesmo se passa com a jurisprudência judiciário-administrativa ad extra. É dentro de seu âmbito, por exemplo, que se decide sobre a designação de interinos nos ofícios extrajudiciais; e é ainda de sua esfera a inflição de penalidades, v.g., aos notários e registradores.
O uso das expressões «jurisprudência registral» e «jurisprudência notarial» está mais diretamente reportado a decisões de natureza comum e não às de caráter sancionador. Mas isso é questão de uso e não parece impróprio que se adotem essas referências também para as decisões disciplinares relativas aos notários e aos registradores.
Uma outra importante classificação dessas jurisprudências judiciário-administrativas notarial e registral concerne a sua origem, é dizer, à fonte judiciária de que provêm. Há três origens possíveis em nosso direito atual: as corregedorias permanentes (em alguns estados, prefere falar-se em diretoria, diretoria do fórum), as corregedorias gerais dos estados e do Distrito federal, e a Corregedoria Nacional de Justiça. Suas competências são, em boa parte das hipóteses e, quando menos, de fato, ascendentemente concomitantes, além de consequentes; vale dizer, que os processos em curso nas corregedorias permanentes são controlados e podem até avocar-se pelas corregedorias gerais a que aquelas se submetem; e, de maneira símile, os processos e decisões dessas corregedorias são objeto de controle e possível avocação pela Corregedoria Nacional. Não se exclui dessa situação a atividade de órgãos que exercitem funções similares às da corregedoria (p.ex., o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo).
Há exceções, é verdade. Hipótese típica em que não há, ao menos durante seu processamento, a possibilidade de controle imediato e de avocação, tem-se com os processos de dúvida registral. Isso ocorre porque a Lei brasileira 6.015, de 1973, tem regulativa própria para esse processo especial, indicando o cabimento de recurso de apelação das sentenças que se profiram nessas dúvidas. É preciso considerar, no entanto, que, faltando embora, prima facie, a competência decisória simultânea e a possibilidade de avocação do processo de dúvida, não falta a possibilidade de ulterior controle ex officio dos efeitos da decisão (p.ex., decide-se num dado processo, com trânsito formal em julgado, que caiba o registro da posse imobiliária ou de um comodato; a corregedoria geral pode sustar o cumprimento do mandado correspondente, ou, efetivado o registro, pode cancelá-lo por nulidade de forma). Bem se vê que se trata de um modo indireto de controle da própria decisão.
Prosseguiremos.