Des. Ricardo Dip
Tratando da jurisprudência −com sua amplíssima extensão em nossos dias− em seu papel, entre nós, de fonte do direito notarial e registral, alguns pontos devem ser especialmente destacados.
Por primeiro, além do influxo própria da auctoritas dos julgados pelos tribunais, vigora, no Brasil, quanto aos mesmos tribunais (e à administração pública direta e indireta), uma imposição potestativa assinada em sua Constituição de 1988:
• «O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei» (art. 103-A).
Veja-se, ainda, o que enuncia o vigente Código de processo civil (art. 927):
• « Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.»
Por evidente, uma coisa é observar a autoridade dos tribunais, acatando-a por seu saber socialmente reconhecido; outra, diversamente, é submeter-se à potestade dos mesmos tribunais.
Não nos esqueçamos da conveniência que sempre houve −em linha de princípio− de observância das súmulas persuasórias (já não se trata pois, das súmulas vinculantes), acolhimento calcado na auctoritas e não na potestas iudicialis. Agora, é a regra infraconstitucional que elege a via complementar da potestade quanto a essas súmulas persuasivas.
Isso posto, considere-se que, no plano estritamente potestativo, as previsões do art. 103-A da Constituição federal brasileira de 1988 e do art. 927 de nosso Código de processo civil destinam-se expressamente aos juízes e tribunais, além de as súmulas vinculantes dirigirem-se à administração pública direta e indireta.
Duas questões, pois, podem logo insinuar-se: ¿essas previsões seriam todas compulsórias para os notários e registradores? No limite, ¿quando menos as súmulas vinculantes seriam obrigatórias para eles, na medida em que as notas e os registros pudessem acomodar-se na categoria da «administração pública direta e indireta»?
Reitere-se que não se está a falar da acolhida obsequiosa dos julgados com amparo na autoridade dos tribunais, mas em seu acatamento obrigatório com apoio nos mencionados dispositivos constitucional e legal.
A controvérsia, longe de ser apenas teórica, tem ressonância prática, disciplinar inclusive.
Até aqui, entretanto, apenas cuidamos da jurisprudência dita jurisdicional ou contenciosa.
Temos ainda de examinar −o que faremos na próxima exposição− o tema da jurisprudência que se diz administrativa, dado seu reflexo quanto à jurisdicional.