Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 23)

Des. Ricardo Dip

 

Estamos examinando o tema da «qualificação» tanto notarial, quanto registral, com particular interesse quanto ao papel da consciência no discurso prático dessa qualificação.

Já deixamos assentado −com a correspondente fundamentação− ser a consciência um ato e não uma potência ou hábito, e agora trataremos de considerar o processo de formação do ato humano e, mais adiante, o lugar que a consciência ocupa no âmbito do discurso da razão prática.

O desenvolvimento do ato humano (que se distingue do simples «ato do homem», porque o ato humano exige sempre a advertência do intelecto e o consentimento da vontade), mas se dizia: o desenrolar do ato humano implica 12 fases internas, entre elas o ato da consciência.

Essas fases sucedem-se, uma a uma, da potência do entendimento à potência da vontade (salvo quanto ao chamado «usus passivus» que tem por sujeito as potências executivas), como adiante se verá, aqui se seguindo, de maneira sumária, as indicações de Marcelino Zalba, remetidas à Summa theologiæ de S.Tomás de Aquino (I-II, 8 a 17). Dividem-se, por primeiro. as 12 fases em três grupos: (i) o da intenção relativamente aos fins; (ii) o da eleição dos meios para a obtenção desses fins; (iii) o da execução dos meios para a consecução dos fins.

Na ordem da intenção dos fins (in ordine intentionis respiciunt finem), cabe ao entendimento a inauguração do processo do ato humano, com o que se designa de «simples apreensão do bem (ou fim)» (simplex aprehensio boni seu finis), que Antonio Royo Marín verteu à linguagem popular, com este gráfica referência: "Se me ocurre tal cosa" (ou seja: "penso que isto seja bom fazer"). 

Deste primeiro passo −o da simplex aprehensio finis−, segue-se uma primeira manifestação da potência volitiva −uma simples volição do bem apreendido (simplex volitio boni apprehensi), que Royo traduz ao modo popular: "Me gustaría hacerla" –"gostaria de fazer isto".

Volta o processo da vontade à inteligência, e já agora o entendimento profere um juízo de possibilidade e de conveniência do ato (iudicium de convenientia et possibilitate), que Royo Marín enuncia na linguagem do povo: "Puedo hacerla y me conviene" –"isto eu posso fazer e me convém".

Retorna o processo à potência da vontade, que então profere uma intenção eficaz da ação (efficax intentio circa illud): "Quiero hacerla" (Royo) –"quero fazer isto".

Regressa o processo do ato humano à potência intelectual, para, desta vez, considerar a eleição dos meios: chega-se à deliberação e ao conselho (consilium circa media). "Tengo tales medios para ello" –"tenho meios para fazer isto".

Novamente, visita-se a vontade, dando-se a fase do consentimento (consensus generaliter approbativus). Diz Royo que a isto corresponde este popular enunciado: "Me parecen todos buenos" –"todos os meios me parecem bons".

Atinge-se, então, de novo no âmbito do entendimento, o último juizo prático −iudicium practicum mediorum discretivum−, que consiste na indicação do melhor meio para a obtenção do fim.

Volta o processo ao campo da vontade, e chega-se à livre eleição do meio para a consecução do fim almejado (intentio efficax electiva circa finem): elege-se o melhor meio proposto pela inteligência. 

Encerra-se aí a parte relativa à eleição dos meios, passando-se, então, às quatro últimas fases, referentes já à execução do ato: império da razão prática (imperiorum rationis practicæ), uso ativo (usus activus potentiarum), dando-se agora a passagem pelas potências executivas (usus passivus seu actus potentiarum executivarum) e a fruição da vontade (fruitio seu quies voluntatis in fine possesso).

Onde, propriamente, situar neste processo de formação do ato humano o lugar da consciência −locus conscientiæ?

Disto cuidaremos na próxima explanação.