Des. Ricardo Dip
Dando seguimento ao tema da «consciência» no âmbito da qualificação registral (e, não menos, no da qualificação notarial), vimos já que a consciência moral não é um hábito do intelecto −e tampouco é potência desse mesmo intelecto.
Resta, pois, admitir que a consciência moral é um ato, porque próprio dela é acusar, escusar ou, ainda, comparar, o que implica sempre a consideração de algo em ato; a consciência é sempre ciência atual (cf. S.Tomás, De Veritate, XVII, 1).
Desta maneira, é já manifesta a diferença entre, de um lado, o hábito da sindérese −ou seja, o hábito dos primeiros princípios da razão prática−, e, de outro lado, o ato da consciência, cuja raiz é a sindérese. Um dos aspectos relevantes desta diferenciação está em que a sindérese, por ser a luz e, em acréscimo, o depósito intelectual de princípios evidentes e quase inatos, não é suscetível de erro, ao passo em que o ato da consciência é falível, porque a matéria da consciência não são esses princípios universais, mas suas aplicações em casos particulares.
Assim, há um caminho a percorrer desde o ponto de partida −ou seja, dos princípios evidentes da sindérese− até o termo de chegada, que é o ato (ou juízo) da consciência. E, ao largo desse caminho, passa-se por dois outros hábitos intelectuais: o da ciência −mais exatamente, o da ciência moral− e o da prudência. Em precisas palavras de Santiago Ramírez, o conjunto das regras morais da reta razão compreende-se em três hábitos −sindérese, ciência moral e prudência−, concluindo-se pelo ato da consciência.
Vejamos: a sindérese informa os princípios evidentes da lei natural, anunciando quid agendum et quid vitandum (o que agir e o que evitar); segue-se a ela a ciência moral, como um hábito que, mediante conhecimentos sistemáticos inferidos dos princípios sinderéticos, chega a conclusões de caráter universal e que são de comum verdadeiras (Ramírez diz: verdadeiras ut in pluribus); em continuidade, o hábito da prudência −a saber, recta ratio agibilium− trata de aplicar os preceitos gerais (oriundos da sindérese e da ciência moral) a atos singulares, dirigindo as ações humanas.
É na esfera do hábito da prudência que se vai constituir o ato da consciência. Leiamos, a propósito, Santiago Ramírez: "(…) à prudência corresponde, com o auxílio de suas virtudes ou partes integrantes, a reta apreciação dos fatos, aos quais, segundo as mil versas circunstâncias de tempo, lugar, pessoas, etc., em que se verifica a ação singular, de tão variada maneira, se há de aplicar a regra universal". E prossegue o autor: "(…) entre os diversos juízos de conveniência, de necessidade, etc., da ação, obterá lugar primordial o juízo valorativo da moralidade do ato, que aplica e adapta as regras, os juízos das obrigações universais, à matéria variável da ação singular. É o juízo da consciência".
O que distingue a consciência, de um lado, e a prudência, de outro, sendo aquela um ato, e a prudência, um hábito, é que a consciência, tendo embora por princípio formal imediato a virtude da prudência, atua com anterioridade à eficácia executória da operação; ou seja, a consciência recolhe de partes potenciais da prudência (a saber, da sínese e da gnome) o que cabe para a formação de seu ato, mas a prudência ainda prossegue sua tarefa de preceituação e império.
Veremos, na próxima explanação, como isto se passa, e, adiante, como se articula o discurso prático-prudencial em que se acha o ato da consciência.