Des. Ricardo Dip
Temos visto, pois, na sequência desta série dedicado ao tema do discurso de qualificação notarial e registral, que o desfecho desse processo discursivo −ou seja, a conclusão do raciocínio prático próprio da atividade profissional do notário e do registrador− é um juízo também designado como «qualificação». Assim, o termo «qualificação», enquanto referível às argumentações mais típicas da atividade dos notários e registradores públicos, tanto significa seu discurso, quanto significa seu elemento consequente, sua conclusão, que é um juízo da consciência.
Indicamos na exposição imediatamente anterior um exemplo desse discurso, sob a forma de um silogismo complexo −um epiquerema− truncando-lhe a conclusão:
- Iustum faciendum, iniustum vitandum.
- Uma doação de imóvel é, no Brasil, suscetível de registro no ofício predial competente, porque isto o prevê a Lei nacional 6.015, de 1973.
- Este caso diz respeito a uma doação de imóvel, porque isto se determina e especializa na escritura que agora se examina.
O consequente derradeiro destas premissas −embora isto envolva a passagem da suscetibilidade da inscrição à pertinência correlata− é a admissão do registro do título examinado.
Parece bem o momento de indagar sobre a falibilidade desse consequente.
Com efeito, o raciocínio de qualificação notarial pode redundar em conclusão falsa, se falsa for alguma das premissas menores (ou mesmo a maior desdobrada, suposto que ela se admita), ou irregular, por vício de forma. O único juízo insuscetível de falso é o do princípio sinderético (iustum faciendum, malum vitandum).
Tome-se esta ilustração:
- Iustum faciendum, iniustum vitandum.
- O comodato de imóvel é, no Brasil, suscetível de registro no ofício predial competente, porque isto o prevê a Lei nacional 6.015, de 1973 (premissa materialmente falsa).
- Este título diz respeito a um comodato de imóvel, porque isto se determina e especializa na escritura que agora se examina (premissa supostamente verdadeira).
- Logo, este título é suscetível de registro (conclusão formalmente reta, mas materialmente falsa).
Considere-se este outro exemplo:
- Iustum faciendum, iniustum vitandum.
- A locação de imóvel é, no Brasil, suscetível de inscrição no ofício predial competente, porque isto o prevê a Lei nacional 6.015, de 1973 (premissa materialmente verdadeira).
- Este título diz respeito a uma locação de imóvel, porque isto se determina e especializa na escritura que agora se examina (suponha-se, entretanto, que a escritura indique um negócio de comodato e não de locação; assim, esta premissa é materialmente falsa).
- Logo, este título é suscetível de registro (conclusão formalmente reta, mas materialmente falsa).
Pense-se, enfim, noutra exemplificação:
- Iustum faciendum, iniustum vitandum.
- A locação de imóvel é, no Brasil, suscetível de inscrição no ofício predial competente, porque isto o prevê a Lei nacional 6.015, de 1973 (premissa materialmente verdadeira).
- Este título diz respeito a uma locação de imóvel, porque isto se determina e especializa na escritura que agora se examina (suponha-se premissa materialmente verdadeira).
- Este título não pode registrar-se (consequente com vício formal e que leva ainda ao falso; aquele vício resulta de ser negativo o elemento consequente, apoiado, embora, em premissas todas afirmativas).
Prosseguiremos.