Sobre a determinação jurídica extrajudicial (parte 14)

Des. Ricardo Dip

Há dois textos de Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco −vejam-se: Bkk. 1.141 b e 1.142 a−, que iluminam dois modos de determinar prudencialmente a coisa justa: um, o modo instantâneo; outro, o deliberado, o reflexivo.

             Federico de Castro assim classificou, abstraindo de matizes, os modos de concluir o processo de determinação da coisa justa: (1) o exegético, em que a solução do caso se extrai da análise do texto literal da norma; (2) um tanto mais aberto, o critério que da norma recolhe uma sugestão, uma orientação, uma pista acerca da ordem de preferência entre diversos interesses ou valores que o ordenamento positivo oferece; (3) o que concebe a regra do direito não tanto como um meio de dirigir a conduta, mas como um intento de buscar o direito natural (apud Vallet de Goytisolo, Metodología de la determinación del derecho, Madrid, ed. Centro de Estudios Ramón Areces, 1994, tomo I, p. 16).    

           Parece que na maior das vezes chegamos à coisa justa de maneira instantânea, imediata, ou seja, quase como algo intuitivo. E, quando é assim, não nos damos conta da divisão do processo discursivo na determinação da res iusta, tal que compreensão e interpretação não aparentem distinguir-se, sequer até mesmo a conclusão do processo pareça não ter premissas que a antecedam.

           Noutras vezes, entretanto, precisamos deliberar, meditar, e é aí que nos apercebemos da divisão de fases: compreensão da lei (texto e significado normativo), compreensão do fato, interpretação e conclusão.

           Temos já apontado que é preciso distinguir, de um lado, a compreensão, e, de outro lado, a interpretação.

           Na trilha da jurisprudência romana clássica, assim a retomou e expôs, na doutrina contemporânea, o aqui tantas vezes citado Juan Vallet de Goytisolo, o termo «interpretação» tem o significado de «mediação»; é como que «un puente com varios arcos», ligando, de uma parte, a compreensão da lei, e, de outra parte, a compreensão do fato; em diferentes palavras: mediando a norma e o fato, ou ainda: mediando a justiça e o justo concreto.

           Nosso vernáculo «interpretação» remete-se ao verbo latino interpretor −com a significação de explicar, esclarecer, interpretar, verbo esse que derivou do substantivo interpres, interpretis: “agente entre dos partes, intermediario, mediador, negociador” (Santiago Segura Munguía, Nuevo diccionario etimológico latín-español, 5.ed., Bilbao, ed. Deusto, 2013, p. 391).

           Leiamos esta lição de Vallet:

Ahora bien, si, como venimos manteniendo, el derecho es entendido en su genuino significado de la res iusta o quod iustum est, su interpretación requiere un tránsito desde la naturaleza de las cosas y de cada cosa hasta la estimación del hecho jurídico que se enjuicia” (Manuales de metodología jurídica, Madrid, ed. Fundación Cultural del Notariado, 2004, vol. III, p. 71).

           Prossegue nosso autor:

Este tránsito implica un saltus que exige um estudio sereno, efectuado sin los agobios y las pasiones que suscitan los casos contingentes. Para ello, es preciso el subsidio de módulos cognoscitivos, instrumentales que hemos denominado elementos mediadores entre la naturaleza de las cosas y los hechos jurídicos: leyes en sentido lato (leyes divinas y naturales, principios, pautas de valor, responsæ, regulæ iuris, doctrina científica y judicial) y en el sentido estricto de esta palabra, costumbres, convenciones, negocios reguladores” (p. 71-72).

           Continuaremos.