Averbação da reserva legal

          (da série Registros sobre Registros n. 420)

                                                       Des. Ricardo Dip

1.232. Por força da Lei 11.284, de 2 de março de 2006 −lei essa destinada à gestão de florestas públicas para a produção sustentável−, incluiu-se na lista de títulos averbáveis no ofício de imóveis a «reserva legal» (item 22 do inc. II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973). Já isso se previra, entretanto, no antigo Código florestal brasileiro, à conta de inclusão determinada com a Lei 7.803/1989 (de 18-7): «A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área».

          Tratou-se, com isso, de assinar ao registro imobiliário uma função adjutória para a política  ambiental, dando-se assim publicidade a uma limitação de caráter relativo quanto exercício do atributo da disponibilidade dominial de imóvel rural. Essa função cometida ao registro público pode agora acomodar-se  na vigente normativa constitucional: «Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações» (caput do art. 225 da Constituição federal brasileira de 1988).

          Já a Medida provisória 2.166-67 (de 24-8-2001) definira a «reserva legal»: «área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas» (inc. III do 2º do art. 1º), e coube ao diploma que a revogou, a Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, reiterar esse conceito e demarcar a «reserva legal» de que aqui se trata. Lê-se em seu art. 12, com a redação que adveio da Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 : «Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente (…)», seguindo-se a referência legal aos percentuais mínimos em relativos à área do imóvel objeto. Por sua vez, o art. 3º da mesma Lei 12.651, reportando-se a esse mencionado art. 12, enuncia que, para os efeitos dessa lei, «reserva legal« é a «área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa».

          Esses referidos «percentuais mínimos» de quantificação da reserva legal (art. 12 da Lei 12.651) comportam exceções, como se lê nos art. 67 dessa mesma normativa: «Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo».

          Lê-se no caput do art. 17 da Lei 12.651 que a reserva legal «deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado», mas essa conservação não impede alguma sorte de disponibilidade correspondente à área reservada, assim dispondo o § 1º do mesmo art. 17: «Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20».

          Essas referidas modalidades são as que correspondem ao instituto do «manejo florestal sustentável», que abrange as práticas de exploração seletiva «sem propósito comercial para consumo na propriedade (…) e para exploração florestal com propósito comercial» (art. 20 da Lei 12.651).

          Acerca, especificamente, a averbação da reserva legal no ofício de imóveis, acolho-me em excerto de interessante lição de José de Arimatéia Barbosa, em artigo publicado no Boletim eletrônico do Irib:

«Majoritários são os julgados de primeira e segunda instância, onde se vê que a reserva legal, prevista no artigo 16 do código florestal e MP 2166/2001, deverá ser averbada quando o proprietário pretender suprimir ou explorar a forma de vegetação nativa ou floresta existente em sua propriedade rural.

Nessa mesma linha tem sido os ensinamentos doutrinários, pioneiramente defendidos pelo dinâmico presidente Francisco Rezende, com os quais comungam parte das Turmas do Superior Tribunal de Justiça.


Significa dizer que, embora esteja sob proteção da lei para assegurar o ambiente natural indispensável à sobrevivência das espécies biológicas, as florestas e outras formas de vegetação nativa existentes no imóvel rural, podem ser suprimidas pelo proprietário, desde que seja mantida uma área mínima de reserva.

Caso o proprietário não promova qualquer ato de supressão da vegetação nativa, não há obrigação nenhuma de averbar a reserva legal na matrícula de seu imóvel. Trata-se, na verdade, de uma restrição administrativa ao uso do imóvel, instituída por força de lei, sendo desnecessário o ato de registro ou averbação para dar-lhe publicidade e eficácia, pois, em princípio, toda a área do imóvel está gravada pela limitação ambiental, só sendo exigível a averbação da reserva legal quando a vegetação nativa for tocada - ou houver intenção do proprietário nesse sentido. Isso significa dizer que a averbação prévia da reserva legal é inexigível para qualquer ato notarial ou registral relativo a imóveis rurais.


Pela interpretação sistemática do citado artigo 16 do Código Florestal, não se pode condicionar a realização de atos notariais (p. ex. escritura pública de compra e venda, permuta, doação, constituição de hipoteca...) à prévia averbação da reserva legal, pois além de extrapolar o supra citado artigo, restringe e fere o direito constitucional de propriedade do art. 5°, inciso XXII da Constituição Federal.

No Código Florestal, não impõe o momento da averbação da reserva legal, portanto não há imposição de que averbação deve ser prévia, e muito menos condiciona a prática dos atos notariais a tal averbação. Assim, tem-se que a lei não autoriza a abstenção de qualquer ato notarial ao pretexto da falta de averbação da reserva legal. Trata-se tal averbação de ato administrativo autônomo, com procedimento próprio e sem caráter auto-executório, não podendo ser entendida a sua ausência como ensejadora de qualquer tipo de coerção em relação à prática de outros atos notariais.


Aos tabeliães não estão impedidos de lavrar atos de imóveis que não estejam com a averbação constando na matrícula, não pode ser também de competência dos Serviços de Registros de Imóveis fiscalizar as ações do meio ambiente e de conceder licença para supressão da vegetação, sendo obrigado a efetuar a averbação da área destinada à reserva legal em hipóteses de negócios jurídicos translativos da propriedade.

Consoante adiante se vê, decisões nesse sentido foram prolatadas decisões por alguns Juízes de primeira instância do Estado de Rondônia, precedidas de recomendações e ou ações judiciais iniciadas pelo Ministério Público.


Em que pese posicionamento divergente, não se pode negar que a finalidade de se averbar a Reserva Legal é dar publicidade à reserva, para que futuros adquirentes do imóvel rural, bem como toda a coletividade, saibam exatamente onde está localizada e a respeitarem em atendimento à finalidade da lei, que a considera necessária à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção do meio ambiente, nada interferindo no exercício do direito de propriedade.

Assim sendo, a exigência da averbação visa tão somente coibir o desmatamento e a extinção dos animais que vivem nas áreas que estão sendo preservadas, e, em contrapartida, vão de encontro com a regulamentação, prevista, inclusive no texto constitucional, de constatar na propriedade rural sua função social, garantindo meios e qualidade de vida saudável para toda a população.


A problematização persistente acerca da averbação da reserva legal torna-se de extrema importância, pois qualquer discussão em torno da preservação do meio ambiente tem relevo todo especial, principalmente, em decorrência de sua degradação ambiental, que se agiganta, cada vez mais, em todo o território nacional.


É necessário, portanto, que se tomem atitudes corretas e mesmo contundentes no sentido de preservar a terra, para que se possam garantir melhores condições de vida na atualidade e, também, para as gerações vindouras.

Posto isso, conclui-se que a averbação da limitação administrativa consubstanciada no termo de compromisso de preservação da reserva legal, expedido pela autoridade florestal, não é pré-requisito para o ingresso de qualquer título
inter vivos ou causa mortis no registro imobiliário, nem seu consequente lançamento em forma de registro ou averbação nas respectivas matrículas dos imóveis, o que só será exigido quando houver desmatamento