Averbação de penhor      

(da série Registros sobre Registros n. 434)

                                                             Des. Ricardo Dip

1.245.   A Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, lei essa que trata do Sistema eletrônico dos registros públicos (Serp), incluiu um item −n. 34− na lista do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, é dizer, mais um título averbável no ofício de registro de imóveis, qual o “da existência dos penhores previstos no art. 178 desta Lei, de ofício, sem conteúdo financeiro, por ocasião do registro no livro auxiliar em relação a imóveis de titularidade do devedor pignoratício ou a imóveis objeto de contratos registrados no Livro nº 2 - Registro Geral”.

           Antes da breve incursão sobre esse assunto, deixemos dito que o objeto da explanação anterior −relativa à averbação “do termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado e do termo de quitação dos instrumentos públicos ou privados oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, firmado pelo empreendedor proprietário de imóvel ou pelo promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária, exclusivamente para fins de exoneração da sua responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o Município, não implicando transferência de domínio ao compromissário comprador ou ao beneficiário da regularização”− correspondia ao item 32 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015. Agora passamos ao exame do item 34 desse mesmo inciso II, sem apreciar o item 33, pela boa razão de que este último, referente à averbação do “compartilhamento de alienação fiduciária por nova operação de crédito contratada com o mesmo credor, na forma prevista na Lei nº 13.476, de 28 de agosto de 2017”, resultava da Medida provisória 922, de 16 de julho de 2020, normativa cujo prazo de vigência se encerrou em 12 de novembro do mesmo ano de 2020 (cf. o Ato declaratório 144, da Presidência da Mesa do Congresso Nacional).

           Então, vamos ao item 34.

           Esse dispositivo, expressamente, cuida da averbação da “existência dos penhores previstos no art. 178” da Lei 6.015. Tem-se aí uma fórmula verbal que, por assim dizer, contorna a ideia de que sejam esses penhores os títulos materiais averbáveis no ofício imobiliário, preferindo-se uma construção indicativa do averbamento da «existência» dos penhores. Provavelmente, esse enunciado teve a preocupação de evitar demasiado acento na conjectura de que o registro de imóveis pudesse ter efeito constitutivo dessas garantias mobiliárias, como o são os penhores objeto do aludido art. 178.

           O penhor, direito real sobre coisa móvel (cf. inc. VIII do art. 1.225 do Código civil brasileiro), quando constituído ou transmitido por atos entre vivos, adquire-se com a tradição (art. 1.226), reservando o mesmo Código para os direitos reais sobre imóveis a constituição mediante o registro no ofício imobiliário (art. 1.227). Essa disposição ordinária relativa ao penhor (art. 1.226) pode suportar exceções legais: por exemplo, a dos penhores industrial, mercantil e rural; lê-se, a propósito, no art. 1.448 do Código civil: “Constitui-se o penhor industrial, ou o mercantil, mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição onde estiverem situadas as coisas empenhadas”, e no art. 1.438: “Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas”.

           Parece, pois, que, para evitar o juízo de que à averbação imobiliária dos demais penhores, submetidos eles à norma do aludido art. 1.226 do Código, pudesse atribuir-se efeito constitutivo, é que se preferiu a fórmula “existência dos penhores”, exprimindo-se que esses penhores já existem antes de seu averbamento, pois é sua existência aquilo que se inscreve no ofício imobiliário.

           A norma em pauta refere-se à averbação “da existência dos penhores previstos no art. 178” da Lei 6.015. Nesse art. 178 tem-se uma indicação dos títulos que devem (ou podem) aceder ao livro 3-registro auxiliar do registro de imóveis, e no dispositivo há tríplice referência a «penhor». Diz a lei:

•          “Art. 178 - Registrar-se-ão no Livro nº 3 - Registro Auxiliar:   I - a emissão de debêntures, sem prejuízo do registro eventual e definitivo, na matrícula do imóvel, da hipoteca, anticrese ou penhor que abonarem especialmente tais emissões, firmando-se pela ordem do registro a prioridade entre as séries de obrigações emitidas pela sociedade;  (…)

IV - o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles; (…)

VI- os contratos de penhor rural;”.

           Calha que o penhor industrial e o penhor rural já se previam registráveis, em sentido estrito, conforme se lê nos itens 4º e 15 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015. É dizer que ou bem se restringiria o significado normativo do item 34 do inciso II do mesmo art. 167 ao penhor que garanta a emissão de debêntures, ou, diversamente −o que parece extrair-se da parte final do texto do item 34−, deve aplicar-se também à situação dos “imóveis objeto de contratos registrados no Livro nº 2 - Registro Geral” (situação inclusiva, pois, do penhor industrial e do penhor rural).

           A averbação prevista no aqui versado item 34 dispensa a rogação; a lei enuncia deva o ato registral praticar-se de ofício. Isso, em duas hipóteses:

•          a de o devedor pignoratício ser o proprietário do imóvel no qual se encontra o bem móvel objeto do penhor;

•          quando houver prévio registro de títulos no livro 2 -registro geral, ainda que o devedor pignoratício não seja o proprietário do imóvel objeto. Nesta hipótese, quando o título não contiver o consentimento do dono do imóvel, cabe a exigência de título acessório que confirme a anuência do proprietário.