(da série Registros sobre Registros n. 433)
Des. Ricardo Dip
1.244. O art. 7º da Lei 13.465, de 11 de julho de 2017, incluiu na Lei 6.015, de 1973, um item −n. 32− no inciso II de seu art. 167. Tem-se nesse item uma larguíssima indicação textual, prevendo averbar-se, no ofício de imóveis, o “termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado e do termo de quitação dos instrumentos públicos ou privados oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, firmado pelo empreendedor proprietário de imóvel ou pelo promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária, exclusivamente para fins de exoneração da sua responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o Município, não implicando transferência de domínio ao compromissário comprador ou ao beneficiário da regularização”.
Sobressai logo da leitura desse texto a indicação de uma finalidade perseguida com a mencionada averbação imobiliária, qual seja a de exonerar da responsabilidade por tributos municipais incidentes sobre o imóvel objeto seu promitente vendedor, o empreendedor proprietário e o promotor do empreendimento ou regularização fundiária de que se trate.
Vem a propósito dizer que o Superior Tribunal de Justiça editara uma súmula −a de n. 399−, enunciando-a assim: “Cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do Iptu”. Isso propicia aos municípios ampla liberdade de eleger, como lhe pareça convir, a sujeição passiva desse tributo. Calha, entretanto, que, nos termos do que dispõe o art. 1.245 do Código civil brasileiro de 2002, a transferência da propriedade imobiliária por título inter vivos exige sempre o registro desse título translativo no ofício imobiliário competente, indicando o mesmo Código que, antes desse registro, “o alienante continua a ser havido como dono do imóvel” (§ 1º do art. 1.245).
Assim, para termos um exemplo, satisfeito o pagamento do preço aquisitivo no compromisso de venda, ainda que essa quitação fosse levada ao registro, poderiam os municípios estabelecer a correspondente responsabilidade tributária do proprietário do imóvel objeto −é dizer, o promitente vendedor.
Daí a relevância da averbação prevista no item 32 do inciso II do art. 167 da Lei de registros públicos, porque, sem essa averbação implicar “transferência de domínio ao compromissário comprador ou ao beneficiário da regularização” (parte final do dispositivo), exonera o proprietário da responsabilidade pelos tributos municipais incidentes sobre o imóvel. O que é manifestamente justo, porque o proprietário já não tem a disponibilidade, o uso e o gozo do imóvel. Mas tem o assunto de ver-se também sob a óptica da normativa constitucional (disso trataremos mais à frente).
Observe-se que o enunciado legal desse item 32 pode repartir-se. Uma primeira parte diz respeito “ao termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado”; a segunda ao “termo de quitação dos instrumentos públicos ou privados oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, firmado pelo empreendedor proprietário de imóvel ou pelo promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária”.
Essa divisão facilita compreender uma controvérsia instalada acerca da necessidade do prévio registro do contrato de compromisso de venda e compra.
Essa matéria foi objeto de uma decisão da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, no Processo 1099908-43.2019, em que se lançou parecer pelo então Juiz Assessor José Marcelo Tossi Silva, parecer esse aprovado pelo Corregedor Geral, Des. Ricardo Mair Anafe (10-11-2020). Destaca-se desse parecer:
“(…) são duas as hipóteses previstas para a averbação do termo de quitação.
A primeira consiste na averbação do termo de quitação de qualquer contrato de compromisso de compra e venda, independente da qualidade do promitente vendedor, desde que esteja registrado, pois conforme consta na parte inicial do n° 32 do inciso II do art. 167 da Lei nº 6.015/73 será feita a averbação: ‘do termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado…’.
A segunda parte diz respeito ao compromisso de compra e venda celebrado diretamente pelos empreendedores de loteamentos, desmembramentos e condomínios de qualquer modalidade, implantados de forma regular ou posteriormente regularizados, hipótese em que não há exigência de prévio registro dos contratos, pois como consta no referido n° 32 do inciso II do artigo 167 também será feita a averbação: ‘…do termo de quitação dos instrumentos públicos ou privados oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, firmado pelo empreendedor proprietário de imóvel ou pelo promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária…’.”
A questão, contudo, não é isenta de controvérsia. Tenha-se em conta que, além do verbete 399 da súmula do STJ −reitere-se: “Cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do Iptu”−, lê-se no art. 34 do Código tributário nacional acerca do mesmo imposto predial e territorial urbano: “Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título”. Para mais, enunciando o art. 32 do mesmo Código tributário −que é uma lei complementar− ter o Iptu como fato gerador “a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município”, sua modificação exigiria lei complementar e não lei ordinária como o é a Lei 13.465; é o que se extrai da Constituição nacional de 1988:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
(…)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;” (há, a propósito, precedentes pretorianos, entre os quais, p.ex., destacam-se acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, da relação dos desembargadores Roberto Martins de Souza e Beatriz Braga).
Cabe assinalar ainda no antes referido parecer da Corregedoria paulista a amplitude da pertinência da averbação do termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado. A Lei 13.465, de 2017, é normativa destinada especialmente à regularização fundiária rural e urbana, e, por isso, houve quem sustentasse a aplicação do item 32 do inciso II do art. 167 da Lei de registros públicos somente aos casos em que se caracterizasse uma regularização fundiária. Tal se viu, contudo, o entendimento esposado pela Corregedoria Geral da Justiça paulista foi no sentido de que a primeira parte do dispositivo legal em exame viabiliza a “averbação do termo de quitação de qualquer contrato de compromisso de compra e venda, independente da qualidade do promitente vendedor, desde que esteja registrado”.
