Sobre o registro das incorporações, instituições e convenções de condomínio (sqq. -décima-quarta parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 249)

                               Des. Ricardo Dip

 

                913. A alínea g do art. 32 da Lei 4.591, de 1964, prevê, para o registro da incorporação imobiliária, a apresentação de “memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei”; consta desse art. 53 que o Poder executivo (federal), por meio do Banco Nacional da Habitação, celebre contratos com a Associação Brasileira de Normas Técnicas -Abnt, para, entre outros objetivos, preparar-se “modelo de memorial descritivo dos acabamentos de edificação”.

              Trata-se, mais uma vez, de beneficiar o conhecimento de eventual adquirente das unidades edilícias (Ademar Fioranelli, o.c., p. 575), neste passo indicando-se “o grau de qualidade da construção projetada” (Melhim Chalhub, o.c., p. 67), a saber: a qualidade dos tipos de revestimento, da forma e do material de acabamento (Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 233).

              A remissão a um modelo elaborado pela Abnt parece justificar-se pela conveniência de idoneidade técnica e de uniformidade de critérios. Expediu-se, para atender à exigência da Lei 4.591, a Nota brasileira 12.721 (que é comum referir-se NBR 12.721), que mereceu alguma impugnação de Caio Mário da Silva Pereira, por parecer-lhe “sistema demasiadamente complexo, que cumpre simplificar, tendo em vista que a padronização deve ser gêmea da singeleza” (Condomínio e incorporações, p. 265). Mario Pazutti Mezzari observa que essa normativa da Abnt “envolve um tal grau de complexidade, que é inatingível pela compreensão mediana” (o.c., p. 201).

              Daí que, nos termos do disposto no § 9º do art. 32 da mesma Lei 4.591, o oficial do registro de imóveis não responda “pela exatidão dos documentos que lhe forem apresentados para arquivamento em obediência ao disposto nas alíneas e, g, h, l, e p“ desse art. 32, contanto que os documentos estejam “assinados pelo profissional responsável pela obra”. Por isso, prossegue Mezzari, “ao registrador cumpre, no exame desses quadros, uma ação bem mais superficial do que usualmente empregada na qualificação dos títulos apresentados ao registro imobiliário” (idem), o que não isenta os registradores da conferir a ajustamento dos dados aos modelos elaborados pela Abnt (quadros V a VIII da NBR 12.721) e sua subscrição pelo incorporador, o construtor e o engenheiro ou arquiteto responsável pelo projeto.

              O memorial deve apresentar-se em duas vias (Melhim Chalhub, p. 67; Fioranelli, p. 575; Flauzilino dos Santos, p. 233), e devem reconhecer-se por tabelião as assinaturas lançadas nesse documento (Mezzari, p. 202; Flauzilino dos Santos, p. 233).

              Observa Mario Mezzari que não há na lei nacional prazo estabelecido para a validade do memorial descritivo das especificações da construção −e tampouco, pontualmente, para esse documento previsto na letra g do art. 32 da norma geral de regência, mas isso não impede que as normativas municipais adotem prazo de validade para a correspondente aprovação do projeto construtivo (o.c., p. 202).

              914. A letra h do art. 32 da Lei 4.591 impõe, para que se inscreva a incorporação no registro de imóveis, a apresentação de documento relativo à “avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acordo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra”.

              Trata-se, pois, de um orçamento ou estimativa do dispêndio global com a obra projetada, que deve observar a regulamentação constante da NBR 12.721 expedida pela Abnt (cf. os quadros III e IV do anexo B), salientando-se a exigência de sua atualização: “Os valores do orçamento devem exprimir o custo da construção na data do arquivamento do memorial, de modo a possibilitar aferição por parte dos pretendentes à aquisição, podendo ser atualizado periodicamente de acordo com o que vier a ser pactuado com os adquirentes (Chalhub, p. 67). Diz Mario Mezzari que a exigência dessa atualização “se compreende não só em decorrência dos intermitentes surtos de processo inflacionário”, mas também porque “os custos de construção oscilam em faixas diferentes da inflação oficial e não se atrelam a nenhum índice de inflação, refletindo as mutações de mercado específicas da área da construção civil” (p. 202). Daí que a avaliação desse custo global da obra deva considerar os “custos unitários básicos correspondentes aos projetos-padrão definidos na mencionada NBR 12.271 da ABNT e divulgados mensalmente pelos sindicatos estaduais da construção civil (Sinduscons), somado ao valor do terreno (valor venal ou do título de aquisição, prevalecendo o que for maior)” (Flauzilino Araújo dos Santos, p. 234).

              Foi a Lei 4.591, de 1964, em seu art. 54, que impôs aos sindicatos estaduais da indústria da construção civil a obrigação de divulgar, mensalmente (“até o dia 5 de cada mês”), “os custos unitários de construção a serem adotados nas respectivas regiões jurisdicionais”. Essa obrigação sujeita-se a sanções, tais se cominam no § 1º do referido art. 54: “O sindicato estadual que deixar de cumprir a obrigação prevista neste artigo deixará de receber dos cofres públicos, enquanto perdurar a omissão, qualquer subvenção ou auxílio que pleiteie ou a que tenha direito”.

             O custo unitário da construção –custo unitário básico (CUB)– é o mais importante dos indicadores do setor da construção, destinando-se, pois, a determinar’ o custo global da obra, além de servir como parâmetro para o reajuste de preços dos próprios contratos de venda e compra das unidades edilícias autônomas. O cálculo do CUB considera insumos (materiais e mão-de-obra), despesas administrativas e equipamento, recolhendo-se as informações junto à própria indústria da construção. A própria Lei 4.591 estabeleceu o critério de atualização desse custo do metro quadrado da área construída: “Os orçamentos ou estimativas baseados nos custos unitários a que se refere este artigo só poderão ser considerados atualizados, em certo mês, para os efeitos desta Lei, se baseados em custos unitários relativos ao próprio mês ou a um dos dois meses anteriores” (§ 3º do art. 54). Deixe-se dito que eventual déficit de algum sindicato estadual em observar a obrigação de divulgar o CUB mensal se supre nos termos do que prevê o § 2º do referido art. 54: “Na ocorrência de omissão de sindicato estadual, o construtor usará os índices fixados por outro sindicato estadual, em cuja região os custos de construção mais lhe pareçam aproximados dos da sua”.

              O documento de avaliação do custo global da obra deve apresentar-se em duas vias e com o reconhecimento as firmas dos subscritores (construtor, incorporador e responsáveis técnicos), compondo-se seu resultado final com a adição de várias parcelas –assim as indica Flauzilino dos Santos (p. 234): (i) o produto da multiplicação da área da construção global pelo CUB; (ii) parcelas que se acrescentem ao custo por serem peculiares, como as instalações especiais (p.ex., elevadores); (iii) despesas indiretas; (iv) impostos e taxas; (v) despesas com o projeto, incluídos os honorários profissionais correspondentes; (vi) remuneração do construtor; (vii) remuneração do incorporador; e ainda (p. 234-235): (viii) o valor do terreno.

              É dever do registrador a conferência da atualidade do valor apresentado como custo global da obra, considerando-o à data da prenotação do requerimento para o registro da incorporação. Nunca é demais insistir em que, a despeito da previsão do § 9º do art. 32 da Lei 4.591, dispõe a mesma lei: “O Oficial de Registro de Imóveis responde, civil e criminalmente, se efetuar o arquivamento de documentação contraveniente à lei (…)” (§ 7º do art. 54).