Sobre o registro das incorporações, instituições e convenções de condomínio (sqq. -décima-terceira parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 248)

                               Des. Ricardo Dip

     

  912. A alínea f do art. 32 da Lei 4.591, de 1964, impõe a apresentação, para registrar-se a incorporação imobiliária, de “certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições”.

              A certidão negativa de débito (CND) previdenciário é um documento que confirma a regularidade fiscal no campo das contribuições sociais. Essa prova de regularidade alicerça-se, entre nós, em previsão constitucional (§ 3º do art. 195 do Código político de 1988: “A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”), que, por força do que dispôs a Emenda constitucional 106, de 7 de maio de 2020, teve, em parte, suspensa sua aplicação na pendência do atual estado de calamidade pública decretado pelo Congresso Nacional.

              Os fins da CND são o de melhor resguardo dos direitos da previdência social e de adequada satisfação do princípio da moralidade administrativa, ao impedir que o estado contrate com empresa em situação irregular diante da seguridade social (neste sentido, cf. Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de direito previdenciário, 14.ed., p. 471).

              No espectro da construção civil, a CND é exigível em duas hipóteses, a saber, na (i) do proprietário, pessoa física ou jurídica, da obra, quando de sua averbação no registro de imóveis (inc. II do art. 47 da Lei 8.212, de 24-7-1991), salvo se se tratar de “construção residencial unifamiliar, destinada ao uso próprio, de tipo econômico”, desde que se execute sem mão-de-obra assalariada (inc. VIII do art. 30 da mesma Lei 8.212); e (ii) ao inscrever-se a incorporação edilícia no ofício imobiliário (situação em que, diz Melhim Namen Chalhub,  deve atender-se à eventual duplicidade de certificações, sempre que “o terreno pertencer a pessoa jurídica distinta do incorporador” –o.c., p. 66; no mesmo sentido, Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 230).

              Houve, a um tempo, controvérsia sobre o cabimento da apresentação autônoma da CND para o registro da incorporação, tema referido e enfrentado por Ulysses da Silva, que afirmou legalmente  imposta essa apresentação (in A previdência social e o registro de imóveis, 1999, p. 72); de lege ferenda,  Caio Mário da Silva Pereira desfechara crítica a essa exigência da CND, observando que se tratava de uma imposição condicional –a de que o titular de direitos fosse responsável pelas arrecadações correspondentes–, entendendo que, “na grande e imensa maioria dos casos, não tem cabimento o seu depósito em Cartório” (o.c., p. 264). Em contrário, Fábio Zambitte Ibrahim afirma que a razão de exigir-se a CND para o registro da incorporação é a de “demonstrar a idoneidade da empresa incorporadora, no momento da inscrição do memorial” (o.c., p. 473), de tal maneira que sequer exime da certidão posterior para o averbamento da construção.

              A expedição da CND é da competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil no tocante com as contribuições sociais previstas nas letras a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei 8.212, de 1991, bem como quanto às contribuições instituídas à conta de substituição e ainda às devidas, por lei, a terceiros, incluídas as já inscritas na dívida ativa da seguridade social e de União (cf. Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo, Curso de direito previdenciário, 3.ed., p. 531; também Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 229). Quanto aos demais tributos federais e a dívida ativa da União, previa-se a expedição de certificado conjunto pela mencionada Secretaria da Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos termos do Decreto 6.106/2007 (de 30-4), que foi revogado, entretanto, pelo Decreto 8.302/2014 (de 4-9; cf. inc. II de seu art. 1º), preservando-se “a vigência dos atos normativos e regulamentares expedidos com base nos dispositivos revogados pelo art. 1º” desse Decreto 8.302, até sua revisão “por atos posteriores”  (art. 2º do decreto revogador). Expediu, então, o Ministro de Estado da Fazenda a Portaria MF 358 (de 4-9-2014), dispondo no caput de seu art. 1º que “a prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional será efetuada mediante apresentação de certidão expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, referente a todos os tributos federais e à Dívida Ativa da União - DAU por elas administrados” (essa Portaria 358 foi alterada pela Portaria MF 443, de 17-10-2014, mas apenas quanto ao termo inaugural de sua vigência). Cabe assinalar que a Portaria MF 358 dispôs, em seu art. 2º, acerca do prazo de validade da CND, que é o de 180 dias a partir de sua emissão (esse prazo já era o previsto no Decreto 6.106, de 2007, como se lê em seu art. 2º). Bem observou Flauzilino Araújo dos Santos que a CND (incluída a conjunta) pode ser substituída por certidão positiva de débito com efeito de negativa (CPD-EN -o.c., p. 229).

              Dizem Vitor Kümpel e Carla Ferrari que, para o registro da incorporação imobiliária, a CND apenas deve ser exigida nas hipóteses em que o incorporador ou proprietário imóvel seja pessoa jurídica (o.c., vol. 5, tomo II, p. 2.453), mas Flauzilino Araújo dos Santos ressalva a hipótese em que o incorporador ou proprietário do imóvel, pessoas físicas, atuem no mercado com enquadramento de empresa (o.c., p. 230-231). Vem de molde lembrar a lição de Caio Mário, nas páginas de seu Propriedade horizontal (ed. 1961): o incorporador é, às vezes, o construtor; outras, é o proprietário do terreno; em algum caso, o estabelecimento de crédito que financia a construção; é um corretor, um mandatário, um gestor de negócios, um industrial, um banqueiro-financiador, e, de modo peculiar, “o incorporador é uma empresa” (p. 153 a 155).

              Por derradeiro, saliente-se o que dispõe o art. 48 da Lei 8.212/1991, lendo-se em seu caput: “A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior [ou seja, dispensando-se a CND ou a CPD-EN], ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos” (a ênfase gráfica não é do original). Tem-se ainda, no § 3º do art. 48 da mesma Lei 8.212: “O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível” (outra vez o destaque gráfico não está no original).

              A multa a que remete esse art. 48, em seu § 3º, teve seus marcos mínimo e máximo assinados por uma portaria (4.479, de 4-6-1998) expedida pelo então Ministro de Estado de Previdência e Assistência Social, lendo-se no art. 4º desse ato normativo: “O responsável por infração a qualquer dispositivo do Regulamento da Organização e do Custeio da Seguridade Social (ROCSS), para a qual não haja penalidade expressamente cominada, está sujeito, a partir de 1º de junho de 1998, conforme gravidade da infração, a multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis reais e dezessete centavos) a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e cinco centavos)”.

              Reitere-se que, de par com essa cominação específica de penalidade pecuniária, indicou ainda o texto do § 3º do art. 48 da Lei 8.212/1991 a responsabilização administrativa (é dizer, administrativo-penal, nos termos não só da Lei 8.935, de 18-11-1994, mas também da Lei 8.429, de 2-6-1992 –a Lei da improbidade administrativa), e aludiu até mesmo a eventual responsabilidade de caráter delitivo.