Averbação de sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento

(da série Registros sobre Registros n. 405)

                                                  Des. Ricardo Dip

1.210. A lista dos títulos averbáveis no ofício de imóveis, conforme o disposto no inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, contempla, em seu item 14, as «sentenças de separação judicial, de divórcio e de nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro».

         Temos aqui, pois, quatro causas jurídicas que podem ser objeto da discutida averbação:

•        a separação judicial

•        o divórcio

•        a nulidade do casamento

•        e a anulação do casamento.

         As duas primeiras dessas causas ou títulos em sentido material (a saber, a separação e o divórcio) podem instrumentar-se −ou seja, veicular-se por títulos em acepção formal− com documentos judiciais (carta de sentença, mandado) ou notariais (escritura pública).

         Saliente-se, pois, que o adjetivo na expressão «separação judicial», incluída na Lei 6.015 com a Lei 6.850, de 12 de novembro de 1980, suportou o influxo da Lei 14.441, de 4 de janeiro de 2007, que acrescentou ao Código de processo civil de 1973 o art. 1.124-A, cujo caput dizia: «A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento».

         Revogado o Código processual de 1973, o novo Código de processo civil −de 2015− manteve, no substancial, a regra que vigorava: «O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública» (caput do art. 733).

         Assim, não tem vigência o caráter restritivo que o termo «judicial», adjetivando o substantivo «separação», levaria a inibir o averbamento das separações não judiciais.

         Já a averbação da nulidade do casamento ou a anulação do matrimônio exigem titulação formal sempre de origem judiciária (cf., ad exemplum, arts. 1.549, 1.560 e 1.562 do Código civil brasileiro de 2002).

         Assinale-se ser requisito para o averbamento dessas quatro causas jurídicas que, nas correspondentes partilhas, haja «imóveis ou direitos reais sujeitos a registro». Compreenda-se bem: direitos reais imobiliários sujeitos a registro.

1.211.  Um último ponto a referir neste passo diz respeito à solução imposta pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, em 8 de novembro de 2023, do RE 1.167.478, contemplando a situação daqueles que, a despeito desse julgado, possuam o status jurídico dos separados judicial ou extrajudicialmente.

         Já tratamos desse assunto em explanação anterior, mas convém reiterar seu exame.

         O STF, nesse apontado RE 1.167.478, enunciou a tese de que, «após a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico». Todavia, no mesmo enunciado, lê-se:«Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de um ato jurídico perfeito».

         Lê-se no texto do art. 1.571 do vigente Código civil:

«A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.»

           A separação da sociedade conjugal é fato inscritível, por averbação, no registro civil das pessoas naturais (caput do art. 100 da Lei 6.015: «No livro de casamento, será feita averbação da sentença de nulidade e anulação de casamento, bem como do desquite, declarando-se a data em que o Juiz a proferiu, a sua conclusão, os nomes das partes e o trânsito em julgado»).

         E bem pode ocorrer que, ou não se tenha inscrito no registro civil uma separação judicial ou extrajudicial consumada −é dizer, por sentença ou por escritura − antes do julgamento do RE 1.167.478, ou, noutra hipótese, que inscrita no ofício registral civil, não se haja levado ao registro de imóveis.

         Ora, em uma ou outra dessas hipóteses, sempre observada a anterioridade da separação em face do decidido pelo STF, é ainda possível −melhor dito, é ainda obrigatória− a averbação no ofício de imóveis.

         Há, neste assunto, porém, um problema conjecturável. Imaginemos que o pedido judicial de separação se tenha ajuizado antes da decisão do RE 1.167.478 (ou, talvez seja melhor dizer assim, antes do trânsito em julgado dessa decisão), e a sentença tenha entendido de deferir o pleito. Poderia o registrador negar-se à inscrição, por afronta ao decidido pelo STF?

         Não é só. Podemos conjecturar mais além: uma sentença, trânsita em julgado, que se afaste do decidido no RE 1.167.478.

         A solução teórica não é nada tranquila. Parece mais provável que caiba invocar o princípio da legalidade: faltaria o pretendido averbamento à estrita previsão legal, mais não existente (segundo o entendimento do STF) a separação consensual ou ligitiosa.

         Mas, compliquemos um tanto a conjectura: e se a sentença, enfrentando embora o disposto pelo STF, impuser, expressamente, a averbação?

         Sempre, é claro, poderá o oficial do registro valer-se de uma qualificação negativa sob o modo prudencial, mas isso provoca, de comum, algum desgaste.