Averbação dos nomes de logradouros

(da série Registros sobre Registros n. 404)

                                                  Des. Ricardo Dip

1.209.  A Lei 6.015, no item 13 do inciso II de seu art. 167, trata da averbação «ex officio, dos nomes dos logradouros, decretados pelo poder público».

         Logo à partida tem-se algo um tanto raro na praxis registral; é que a lei prevê um ato propter officium do registrador, é dizer, um ato que não depende de rogação de nenhum interessado.

         São pouquíssimas as hipóteses em que as normas dispensam a instância de legitimados para as práticas registrais, e talvez se explique a oficialidade do ato, quanto à versada averbação dos nomes dos logradouros, a manifesta prevalência do interesse público.

         Por algo, «logradouro» tem a ver com «lucro». Isso o veremos ao fim desta nossa explanação.

         Conto-lhes aqui um fato.

         Por uma cidade do litoral paulista, decidiu passassem trens, dando-se a necessidade de instalar trilhos e dormentes, bem como a de construir-se uma estação. Para ali se dirigiram trabalhadores, com suas famílias, ocupando terrenos e edificando casas para a própria moradia. Essas casas, espontaneamente enfileiradas em ruas e com regular alinhamento −raro caso de «urbanismo espontâneo» bem ordenado−, construíram dos dois lados da via férrea.

         Pois bem, que coisa havia isso para relacionar ao tema de que estamos tratando nesta exposição?

         As várias ruas abertas tinham, em seus traçados paralelos de um e de outro lados dos trilhos, as mesmas denominações correspondentes; ou seja, duas ruas Carlos de Laet, duas ruas Alberto Torres, duas ruas Eduardo Prado, etc. Os moradores, longe de se importar com a duplicidade de nomes, tinham nisso uma propositada singularidade de seus assentamentos. Deram-se ainda uma liberdade adicional: as casas tinham os números que bem calhassem à liberdade de eleição dos moradores, sem ordenar-se por outro critério que não fosse essa mesma liberdade.

         O Ministério Público bem que tentou obrigar a Municipalidade local a pôr fim nisso. Mas não teve êxito (ao menos, que eu o saiba). O Município não via grande interesse em alterar algo bem estabelecido: os correios e outros serviços públicos sabiam exatamente a quais casas dirigir-se; consideravam os nomes dos destinatários, e não os nomes das ruas e os números das casas.

         Claro que isso atende a comunidades pequenas, com escasso povoamento; mas põe à mostra que não há maior interesse dos particulares em despender esforços, tempo e dinheiro para alterar no registro o nome de um logradouro (p.ex., de Rua A, para Rua António Sardinha; ou de Rua B, para Rua Hipólito Raposo).

         A competência oficial para a averbação dos nomes dos logradouros tem, no entanto, uma exigência: a de que esses nomes tenham sido decretados pelo poder público.

         Conto-lhes mais um caso. Havia uma pequena rua, em São Paulo, uma rua sem saída, na qual se viam umas poucas casas e uma fábrica de tacos de maneira. Essa fábrica era de propriedade de um primo de meu pai (que Deus a ambos os tenha). Pois bem, a viela denominava-se “Rua A”; esse primo alterou-lhe o nome por sua conta; mandou fazer uma placa, em que gravou seu próprio nome, e o fato é que, nas antigas listas telefônicas, isto o primo mostrava a muitos vaidosamente, aparecia o nome singular dessa rua.

         Então, o registrador, para averbar o nome de um logradouro, há de amparar-se em confirmação oficial de que esse nome provém da potestade pública. De maneira que o registrador, para efetivar essa averbação do nome de um logradouro, deve apoiar-se em documento com bastante força probante, em seu rol incluindo-se alguma sorte de publicação oficial (p.ex., o diário de normas, em papel ou eletrônico).

         Não é possível, contudo, fazê-lo com o só apoio em uma escritura pública, por mais esse título frua de fé pública, sem, todavia, estender-se à dimensão analítica em que se situa o nome de um logradouro indicado na escritura. Nessa hipótese, o registrador haverá de devolver o título com exigência da prova da designação oficial; uma coisa é que deva o registrador atuar ex officio, outra é que deva diligenciar a prova para que se realize a averbação que, nesse exemplo de registro relativo a escritura notarial, é de interesse imediato do particular.

         Uma outra questão é a do controle competencial para a edição do ato normativo que dá nome a logradouros. O STF, ao julgar o RE 1.151.237 (3-10-2019), firmou a tese de ser «comum aos poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal) a competência destinada a denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições» (tema 1.070-STF).

         O vernáculo «logradouro» provém do latim lucrum, lucri, neutro de segunda declinação, com o sentido de «proveito», «vantagem», «lucro». Da mesma origem são o «lucro» castelhano e italiano, o «lucre» do francês e o inglês. Antônio Geraldo da Cunha, no Dicionário etimológico Nova Fronteira, noticiou que, ao início do século XIX, grafava-se entre nós «logrador».

         Originalmente, designava o pasciculum −o pasto público; adiante, passamos no Brasil a acolher o sentido de «lugar ameno e agradável» (De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, verbete «logradouro»);          Significava, pois, já tudo o que poderia fruir-se por alguém; algo que dava um logro, um lucro, um proveito para alguém. Daí que pudesse haver «logradouro público» −lugar de desfrute do povo; assim, jardins, praças, vias para o trânsito e o tráfego−, e «logradouro particular», construído para uso privado.