(da série Registros sobre Registros n. 410)
Des. Ricardo Dip
1.126. O item 18 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, indica o averbamento imobiliário «da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel urbano».
Essa averbação imobiliária passou a prever-se com o art. 57 da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, lei que tratou de regulamentar o disposto nos arts. 182 e 183 da Constituição federal de 1988.
Lê-se, a propósito, no referido art. 182 da Carta política nacional:
«A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.»
Duas observações preliminares:
• primeira: ao dizer que a «propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor», a Constituição brasileira não diz que essa é a única, nem a principal das funções sociais do domínio, certo que a mais importante dessas funções dominiais é discriminar o que é de um e o que é de outro;
• segunda: a previsão do § 3º do art. 182 de nossa Constituição em vigor («As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro») padecerá de exceções, entre elas a prevista no item III do § 4º do mesmo art. 182.
Parecerá surpreendente apontar por precedente dessa norma constitucional −de modo advertido ou não− a Lei espanhola de 12 de maio de 1956 sobre regime de solo e ordenação urbana. A surpresa correrá à conta de que essa lei foi promulgada por iniciativa do governo de Francisco Franco.
Seu proclamado objetivo era o de corrigir a prática de retenção de imóveis de terrenos por propietarios que não edificam, nem alienam os terrenos, apenas especulando com as expectativas de uso ou de rendas futuras. O resultado dessa especulação, segundo se afirmou nos consideranda da lei, foi a incorporação de valores adicionais, como plus valía, ao real valor atual do imóvel, agregando-se indevidamente os efeitos de uma futura urbanização.
Indicou-se, então, a necessidade de uma repartição equitativa do aumento de valor do solo, que, ainda conforme as considerações preambulares dessa lei espanhola, «debe ser afectado, en primer lugar, a amortizar los terrenos necesarios para vías y espacios libres; en segundo término, al pago de las obras de urbanización, y, por último, atribuido justamente a los propietarios, de suerte que desaparezcan, en lo posible, las desigualdades actuales, derivadas de conceder la edificación intensiva a unos mientras se niega o se limita excesivamente a otros».
Para atender ao bem comum, essa lei fomenta, em primeiro lugar, a cooperação dos particulares, para que contribuam na tarefa de urbanização, mediante a edificação em seus próprios imóveis.
Todavia, ao não atender-se a essa cooperação, caberá ao poder público, diz a mesma lei, a adoção de medidas para estimular e até mesmo intervir no exercício das faculdades próprias do domínio do solo.
Entre essas medidas, encontram-se:
• a intervenção reguladora no parcelamento;
• a exigência de que os proprietários edifiquem em prazo determinado;
• impor a alienação, quando não houver a edificação no tempo e no modo devidos;
• proibir os usos que não se ajustem aos planos urbanísticos.
A lei também indica que o poder público deva procurar que se facilitem aos proprietários os meios precisos para satisfazer as obrigações que lhes são impostas.
Nossa vigente Constituição parece marchar, no essencial, por essa mesma trilha da lei franquista de 1956, ao prever, em ordem sucessiva e mediante lei municipal específica para área incluída no correspondente plano diretor, que se sancionem os proprietários de imóvel urbano
• não edificado,
• subutilizado ou
• não utilizado,
quando, a tanto deles exigido, não promovam o adequado aproveitamento de seus imóveis.
Como ficou dito, a ordem sucessiva das sanções contempla
• o parcelamento ou edificação compulsórios;
• a tributação progressiva;
• a desapropriação com excepcional pagamento do preço com «títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.»
Para a imposição dessas medidas sancionadoras, contudo, cabe previamente notificar os proprietários dos imóveis.
Lê-se, a propósito, no art. 5º da Lei 10.257:
«Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
(…)
§ 2o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.»
Saliente-se o caráter propter rem da obrigação de que se trata: «A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos» (art. 6º da Lei 10.257).