Ad Mensuram

Realidade e conceito opostos à alienação ad corpus, diz-se venda ad mensuram (e, de conseguinte, de uma aquisição ad mensuram não menos) a em que o imóvel –porque, no direito brasileiro em vigor, apenas se refere a imóvel– é alienado como coisa de exatas e indispensáveis medidas, vale por dizer, em que o predicamento da quantidade é tomado por essencial à determinação e especialização da res immobilis e não como sua mera enunciação. É, pois, a venda de um corpo imobiliário em que a quantitas do prédio é um elemento essencial do acordo de vontades na alienação e aquisição.

 

A quantidade é uma das dez categorias dos entes. É o acidente predicamental que assina a extensão intrínseca das coisas e deriva da suscetibilidade de a matéria dividir-se internamente, i.e., do reconhecimento de que o todo material é composto de distintas partes homogêneas, dispostas ordenadamente, não só passíveis de segregar-se (divisibilidade externa), mas, como se indicou, também partes que não se confundem entre si, de sorte que existem em ato distintas umas das outras, ordenadas em relação ao todo (ordo partium in toto), ainda que separáveis.

 

Essa extensão intrínseca das partes de uma coisa material corresponde sempre a uma ocupação de lugar, de que derivam seus atributos de impenetrabilidade –segundo o qual, uma parte do quantum exclui do lugar que ocupa a incursão de outra parte– e de possível consecutividade quando, unindo-se ordenadamente uma parte com várias, rematam elas, dispostas pela forma (nexo de coesão), num todo individual composto de partes contíguas (as partes que se seguem de modo ordenado umas às outras, tangendo seus limites entre si) e contínuas (em que se reconhecem os lindes do todo, suplantando-se os limites das várias partes).

 

O quantum, além disso, tem o predicado da comensurabilidade, ou seja, pode ser determinado ou expressado por medidas, scl., por meio de unidades de medida, o que, sobretudo, corresponde, quanto às quantidades contínuas, à assinalação dos limites ou extremidades das coisas. Por outro lado, a qualidade dos entes (p.ex., sua figura natural) recebe-se num sujeito determinado extensamente (quer dizer, quantificado), de modo que podemos falar em uma figura com dada medida, relacionando duas diversas categorias do ser –qualidade e quantidade–, a primeira atuando como forma, a segunda, como matéria ou sujeito de determinação. Sequer poderíamos imaginar uma qualidade sem quantidade (embora, sim, um quantum sem qualidades apreensíveis de modo sensível: p.ex., o número).

 

Enuncia o art. 500 do Código Civil brasileiro de 2002:

 

“Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

 

  • 1o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

 

  • 2o Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

 

  • 3o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus”.

 

O fato de uma venda e aquisição predial ser ad mensuram não supera, a pretexto de mera conformação com a realidade extratabular, a a exigência de que a descrição do imóvel, no título aquisitivo, haja de ser regular, ou seja, concertada com a descrição vigente no registro (arg. § 2º do art. 225 da Lei 6.015/1973: “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”).

 

Coisa diversa é a pertinência de uma retificação descritiva alterar o constante do registro previamente à inscrição do ato aquisitivo ad mensuram, de maneira que na alteração registral (arts. 212 e 213 da Lei 6.015) se aprecie e decida o cabimento das medidas indicadas dentro, de fato, nos limites no corpo objeto da alienação.