As gratuidades no âmbito das atividades extrajudiciais (parte 1)

Antes de considerarmos, de modo específico, o tema da «gratuidade», parece aconselhável que nos entendamos acerca do conceito de «atividades extrajudiciais», já que é a seu propósito, limitadamente, que havemos de examinar o problema da «gratuidade».

Denominam-se «extrajudiciais», no Brasil, as instituições, órgãos, atividades, funções ou serviços que, segundo o usus loquendi, mas também à conta de determinação legislativa são as próprias de seis espécies de registros públicos (quais sejam, o de pessoas naturais, o de pessoas jurídicas civis, o de imóveis, o de títulos e documentos, o de contratos marítimos e o de distribuição) e de três tabelionatos (o de notas, o especial de protesto de letras e títulos e o de contratos marítimos).

Trata-se aí de uma especialização dessas atividades ditas «extrajudiciais» que não provém da doutrina, mas da lei, em correspondência com o que prevê, entre nós, o art. 7º da Lei 8.935/1994 (de 18-11), que, por sua vez, dirigiu-se a dar observância ao disposto no §1º do art. 236 da Constituição federal brasileira de 1988 ("Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário").

Com esse dispositivo da Lei 8.935, tivemos de um modo retrocessivo a determinação de um conteúdo possível para a norma constitucional que não havia indicado quais são os "serviços notariais e de registro" (caput do art. 236 da Constituição brasileira de 1936: "Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público").

Cabe entender, mais além, não só que se cuida aí de uma norma subconstitucional definitória das notas e dos registros públicos subordinados ao regramento do referido art. 236, mas também de norma infraconstitucional de que tem emergido, a contrario sensu, ao menos o fato (abstraído aqui, pois, o tema de sua ao menos controversa compatibilidade com a normativa constitucional) de quais outros registros e notas se excluiriam da disciplina desse mesmo art. 236 da Constituição.

Ao admitir-se, por hipótese, esta densificação infraconstitucional do que estava indeterminado na Constituição brasileira, tem de concluir-se que «outros registros» e «outras notas» objeto de leis infraconstitucionais escapam da regulação do Código político: por exemplo, consideremos, a título ilustrativo, o registro público de empresas mercantis, previsto no art. 967 do Código civil brasileiro de 2002; o registro de veículos automotores terrestres, objeto da parte final do art. 1.361 do mesmo Código civil; o Operador Nacional do Registro e todas as demais entidades particulares congêneres que se destinam à centralização dos registros e dos documentos notariais.

Pois bem: todos estes organismos estão conformados com uma complementação subconstitucional definidora do conteúdo do conceito indeterminado objeto da Constituição nacional, e também estão eles imunizados da observância dos requisitos constitucionais de acesso a suas correspondentes gestões (não custa acrescentar que, de toda a sorte, não se poderia negligenciar ainda o tema da dispensa do processo licitatório para a exercitação desses organismos). O fato é que o consequente dessa imunização da incidência da norma do art. 236 da Constituição federal tem levado a instituírem-se novos órgãos e novos modelos registrais. Manifesto é o problema da validade dessa densificação legal, pois se teria de aplicar aqui, para admitir essa validade, a categoria das normas constitucionais não exequíveis; ocorre que, por seu próprio caráter, elas não se destinam a ser substancialmente colmatadas por leis infraconstitucionais, como se estas pudessem dar conteúdo a normas constitucionais "em branco". Em outras palavras, a densificação legal pode atuar ao modo de um regulamento de norma preceptiva, mas não como criadora de um conteúdo constitucional.

Apontada, portanto, a questão da possível (a bem dizer, muito provável) inconstitucionalidade dos atos normativos que instituem registros e notas em conflito com o disposto no art. 236 da vigente Constituição federal brasileira, passaremos, na próxima explanação, a considerar a natureza do vínculo entre o poder político −em outras palavras, o estado− e os tabeliães e registradores públicos. Antes, porém, parece caso de alguma referência, breve que o seja, ao conceito de «gratuidade».