Ata Notarial (terceira parte)

O só fato de um instrumento notarial referir um contrato –uma relação contratual, mais amplamente: um negócio jurídico– não significa estejamos diante de uma escritura tabelioa em acepção estrita. Em outros termos, é possível reconhecer a existência de uma ata notarial relativa a contrato, e, com isso, não admitir haja nesse instrumento público os efeitos executórios e registrais contemplados numa escritura; é que, nessa hipótese, a declaração das vontades contratantes está considerada, no instrumento notarial, à maneira de mero fato, de tal sorte que o notário apenas o narra, sem participar do actum, sem intervir na conformação do conteúdo negocial.

 

Tenha-se em conta que não se põe em dúvida a presença comum em todos os instrumentos notariais daquilo que Rodríguez Adrados chamou de raiz sensorial. Mas há uma diferença nessa atuação sensorial do notário conforme se trate de sua atuação dirigida a uma escritura pública ou, diversamente, a uma ata notarial. É curioso pensar que o sistema administrativista  do notariado leva a que, em rigor, o instrumento público do notário se reduza à ata, porque, diferentemente do que se passa com o notariado do tipo latino, aquele, o administrativista (também dito burocrático ou socialista), não se expande pela juridicidade, não se ocupa da autenticidade do actum, circunscrevendo-se ao espectro restrito dos fatos: “las mismas declaraciones de voluntad de las partes [disse Rodríguez Adrados] que constituyen el negocio contenido en el documento son para el Notario [no sistema administrativo] meros hechos, hechos materiales o del mundo exterior que han acaecido a su presencia en el acto del otorgamiento, en los que para nada ha intervenido” (in Sobre las consecuencias de la funcionarización de los notarios).

 

Não fosse a atuação do notário com a qualidade de jurista –é dizer, não exercitara ele, alguma vez, sua missão de assessoramento jurídico–, já não poderiam distinguir-se a escritura pública e a ata notarial, porque ambas estariam reduzidas à autenticação de fatos, à mera extratação textual de uma realidade sensível captada, e o notário resumir-se-ia a ser uma testemunha. Ao passo, porém, em que, no processo de feitura de uma ata notarial, o fato sensível é o mais notório elemento da ata –ou seja, é o objeto do dictum–, diversamente, no processo de elaboração de uma escritura notarial, o notário é quem ostenta papel mais fundamental, porque, sem embargo de não ser um dos outorgantes, é, entretanto, quem não só protagoniza o dictum –pois que ele ainda conserva a tradicional idoneidade notarial na ars dictandi–, mas, também –e é o que mais importa–, porque o notário incursiona no coração dos fatos: in cordis factorum, e os fatos, nas escrituras notariais, são as próprias pessoas em seu querer e agir.

 

Assim, quando se diz ser a escritura pública a espécie de instrumento notarial moldado para as manifestações de vontade, isso deve completar-se com uma aclaração: desde que essas manifestações volitivas impliquem uma prestação de consentimento intervinda e de algum modo influída pela presença do notário-jurista (e isto inclui os contratos), porque, nestas circunstâncias, o notário atua sub modo iurisconsulti, ou seja, com a qualidade e a missão de um jurista. A ata notarial, diversamente, só exige do notário “una actividad de visu et auditu, suis sensibus, sin entrar en el fondo, adaptándose al Derecho únicamente en cuanto a los preceptos de forma…” (Núnez).

 

Na sequência, trataremos da divisão e da rogação nas atas notariais.