Bem de família (décima parte)

Já ficou dito que a normativa brasileira possui um limite objetivo para a instituição do bem de família: o de que a porção patrimonial afetada corresponda ao máximo de um terço do patrimônio líquido ao tempo da constituição (art. 1.711 do Cód.civ.bras.).

Como se vê, o tempo em que se há de considerar essa proporção da coisa objeto com o patrimônio do instituidor é o da constituição do bem de família, o que se dá com seu registro e não com a elaboração do título notarial. Assim, embora a declaração do limite proporcional pelo instituidor deva sempre constar da escritura, além de nela declarar-se a destinação do imóvel à moradia ou sustento familiar (suposto para imunizá-lo da execução por dívidas, ressalvadas as já existentes), não se atribui ao tabelião de notas o controle prematuro do limite valorativo exigido para a instituição do bem de família.

Ao registrador tampouco é de atribuir-se esse controle, porque não lhe cabe, em linha de princípio, avaliações alheias do mundo endógeno do registro (as exceções correm à conta de expressas previsões legais: p.ex., nos processos extrajudicial de usucapião e de retificação de registro).

Consideremos a hipótese de essa declaração sobre o limite patrimonial não constar da escritura. Podemos até conjecturar que se trate de lacuna propositada: v.g., pensemos em que, à altura da elaboração do título notarial, pendam de aquisição outros imóveis com os quais o instituidor pretenda observar (e só nesta oportunidade) a exigência do art. 1.711 do Código civil; ora, ante o dever notarial de veracidade não é possível fazer constar da escritura, antecipadamente, a observância −reportada a futuro contingente− da proporção do terço patrimonial.

Neste quadro de coisas, pode complementar-se a escritura? Mais ainda: será que o complemento deva necessariamente ser de expedição notarial? Uma escritura complementar? Ou será, que, diversamente, bastaria uma declaração, sob o modo de título acessório de caráter particular?

Sendo muitos os títulos acessórios que se exigem ꟷou podem exigir-seꟷ para o registro do título relativo ao bem de família −e, a propósito, a Registradora Isabel Sangalli arrolou, exaustivamente, os correspondentes documentos acessórios que vão desde certidões até declarações, p.ex., a relativa a débitos condominiais, a de aceitação por terceiros beneficiários, a de ciência de débitos trabalhistas, e um requerimento concernente a eventuais averbações, tenha-se em conta que parte desses títulos é de origem particular. De tal sorte que a escritura notarial, ainda que seja a forma de titulação prevista em lei para o bem de família (art. 1.711 do Cód.civ.bras.), não impede, de maneira absoluta, o concurso de complementação por títulos acessórios não notariais (públicos e privados).

Assim, sem embargo da controvérsia que se possa reconhecer neste passo, não parece que deva exigir-se nova escritura notarial apenas para colmatar uma lacuna relativa à indicação de o imóvel destinado a ser bem de família não superar a terça parte do patrimônio do instituidor. Aparenta atender à economicidade, sem ruptura da segurança jurídica e da prescrição legal (porque o título principal é ainda uma escritura pública), admitir que, de maneira acessória, um título de origem particular possa socorrer a escritura notarial, o que mais parece robustecer quando se aviste não caber o controle registral do conteúdo dessa declaração complementar.

 

Reg 134 -item 738