EXCURSO AO TEMA DA CONSCIÊNCIA DO NOTÁRIO E DA CONSCIÊNCIA DO REGISTRADOR: A EDUCAÇÃO DOS CONCURSANTES (parte 2)
Atender a uma vocação implica uma responsabilidade individual e social, além de importar, suposta a fé divina, numa responsabilização em face de Deus.
Para bem aceitar o chamado a uma profissão, é preciso pôr-se a caminho da ciência sempre o mais cedo possível, preparar-se para os tempos futuros, subir os quatro ou cinco degraus pelos quais se pode aspirar à perfeição. Royo Marín disse com muita sabedoria: "Serás mañana lo que hagas hoy". Há ignorâncias muito culpáveis, idôneas a produzir resultados fatais: um médico que não se dedica a estudar a ciência e a arte da medicina; um juiz que não se devota ao estudo do direito natural, do direito positivo e dos casos que deve julgar.
A ciência −que é um hábito intelectual− exige estudar. O estudo é um ato humano, objeto da virtude da estudiosidade, a que se opõem dois vícios: um, o da preguiça, inimiga dos esforços que se têm de fazer para estudar; outro, o da demasia, o do excesso, o do estudo desordenado, o da curiosidade, em que se produz o que Royo Marín denominou "luxúria intelectual", "curiosidade insana", ou, na expressão de S. Juan de la Cruz, uma "insensata curiosidade intelectual".
Assim o disse Hugo de São Vítor (1096-1141), três são os obstáculos iniciais para todos os que devem lançar-se aos estudos: a negligência, a imprudência e a sorte.
Dá-se a negligência nos estudos, segundo o mesmo e notável mestre da pedagogia, "quando abandonamos inteiramente as coisas que devemos estudar, ou pelo menos as aprendemos com menor diligência" (in Princípios fundamentais de pedagogia, 2019, p. 95). Já a imprudência, prossegue o autor, "ocorre quando não observamos a ordem e o modo conveniente nas coisas que aprendemos". Quanto à sorte, escreveu Hugo de São Vítor:
"A sorte ocorre nos eventos e nos acasos motivados algumas vezes pela natureza, outras pela pobreza, pela enfermidade, pela obtusidade natural da inteligência ou mesmo pela raridade dos mestres; porque, se não se encontram os que ensinam corretamente, acabamos por abandonar o nosso propósito" (id.).
Quanto à negligência, ela se combate com a aplicação, mas com uma aplicação temperada, sem exagerações. Vem a propósito que Gilbert de Tournai (c. 1200-1284), em seu De modo addiscendi (Sobre o modo de aprender), ensinou que o talento se agudiza com o exercício moderado, e, acerca da leitura, que é um dos quatro modos por ele sugeridos para essa exercitatione moderata, insiste em que deva ela ser sem excessos (sine intemperantia), até porque, tal o recomendou Hugo de São Vítor, não nos devemos importar com a quantidade do que lemos: "Há aqueles que tudo querem estudar −disse Hugo de São Vítor (…). O número dos livros é infinito, não queiras seguir o infinito".
Era já um conselho do sábio Rei Salomão o de que escrever é uma tarefa sem fim (Eclesiastes, 12, 12); e ler, pois, também o será; por isto, não é pela quantidade da leitura, afadigando o corpo, que se há de satisfazer a virtude da estudiosidade.
Como, entretanto, saber o que é muito e o que é pouco, o que é negligência e o que é excesso nos estudos? Tournai, que também ensinava não se ler em demasia (pauciora legenda), aconselhava que se lesse segundo a capacidade da inteligência, "coisa que varia −disse ele− conforme as condições dos distintos talentos; pois, o que para um é excessivo, para outro é pouco −quod uni est nimis alteri est parum". E rematou com uma passagem de Varrão: "Certamente, conhecer tudo é impossível, mas pouco não é elogiável".
A medida, pois, dos estudos de cada um há de ser o que se conforme à própria capacidade intelectual, como se fora o apanhar água de uma grande fonte, recolhendo-a na dimensão do vaso que a pode conter. Essa medida é individual e pode variar segundo muitas circunstâncias, mas há alguns critérios que podem subsidiar-nos para encontrá-la: um deles é o de que o estudo não nos aflija, senão que nos deleite (Hugo de São Vítor); outro, o de que estudemos o proveitoso e não o inútil.