Fontes do direito notarial e registral (décima-segunda parte)

                                                            Des. Ricardo Dip

           Das leis a que se sujeitam os homens, algumas há que são irresistíveis −como o são as leis que se dizem físicas (p.ex., as do tropismo humano, as leis que têm por objeto a nutrição, a digestão, a reprodução humana). Outras leis, entretanto, destinam-se aos homens como a seres inteligentes e livres. Quanto a essas leis, os homens não são forçados por necessidade física a observá-las, mas −em palavras de Vareilles-Sommières− têm os homens, em relação a elas, uma «necessidade moral» −nécessité morale. Tem-se aí uma obrigação de obedecer, mas não uma obrigação fatal.

           Nosso autor distingue, entretanto, a lei em sentido próprio −que ele considera destinada ao homem para impor-lhe uma conduta obrigatória− e o que designa como regras, que são, p.ex.,

•          as não dirigidas aos homens (assim, as que se referem somente a uma situação superior: as que dizem respeito às atividades ad intra de Deus ou ao mundo angélico);

•          as que não impõem condutas (v.g., as regras fatais que presidem as funções do corpo; condutas apenas compreendem os atos livres);

•          as regras da arte e da indústria −regras que, assim as referiu Francisco Suárez, são leges circa artificialia−, porque não são obrigatórias;

•          as regras estabelecidas pelo chefe de família, porque são limitadas em sua extensão;

•          os conselhos;

•          as injunções de uma autoridade usurpadora.

           Todas essas leis e regras, prossegue Vareilles-Sommières, provêm necessariamente de alguma autoridade. Podem elas provir de Deus −tanto as leis físicas, quanto as morais−, ou do estado (que o autor indica sob o nome de «souverain temporel»), ou do chefe de família ou do chefe de associação voluntária. Acrescente-se, ainda, em sua ordem, a autoridade eclesial.

           Destaque-se nessa lição de Vareilles-Sommières a pluralidade das fontes da lei (e das regras), fontes que não estão reduzidas ao estado. Há leis e regras, portanto, que, de par com as oriundas do estado, provêm, superiormente, de Deus, e outras, do chefe da comunidade familiar ou do chefe de um grupo intermediário entre o indivíduo e o estado.

           Assinale-se que, assim o disse Vareilles-Sommières, «tous les préceptes émanés de toutes ces autorités, quand ils n’excédent pas leur compétence, sont également obligatoires» (todos os preceitos emanados de todas essas autoridades, contanto não excedam sua competência, são igualmente obrigatórios). A propósito, Vareilles-Sommières exemplifica: as regras que o pai estabelece em sua casa têm a mesma natureza e a mesma força que as regras estabelecidas pelo soberano em seu império.

           Importa muito considerar que, segundo Vareilles-Sommières, há três elementos essenciais ao conceito de lei:

•          que a lei seja um ditame da razão do legislador;

•          que, a seguir, sempre após esse ditame racional, o legislador queira tornar obrigatória aquilo que sua inteligência julgou ser conveniente; sem essa vontade legislativa, o julgamento racional «não seria mais do que um conselho ou uma lição»;

•          por fim, que haja promulgação da regra, é dizer, sua notificação aos que devem observá-la.            Em suma, remata Vareilles-Sommières, «la règle, pour être obligatoire, doit être pensée, voulue, promulgué».