Frequenta a conversação dos teóricos, dos práticos e até dos curiosos que visitam os distintos saberes do direito extrajudicial a referência rotineira às instituições jurídicas dos tabelionatos e dos registros públicos. Há mesmo entre esses curiosos, esses práticos, esses teóricos, quem, em muitas circunstâncias −e eu próprio já me inclinei várias vezes a afirmar esta intenção−, ponha em destaque um propósito institucional em determinado pronunciamento na área do direito.
O problema não se limita, é claro, à esfera dos tabelionatos e dos registros públicos. Baste-nos pensar que, em pleno período de suas graduais, mas aceleradas desconstruções contemporâneas, não se haverá de negar, até porque é do usus loquendi, a referência do termo «instituição» às realidades e conceitos sociais e jurídicos de família, de casamento, de propriedade, etc.
Se nos dedicamos um tanto a meditar sobre aquilo que nos atrai para o uso do termo «instituição», parece que poderíamos nele avistar duas ideias: as de «objetividade» e de «permanência». Instituição, para logo, é algo objetivo −uma realidade inconfundível com as pessoas que dela participam, mas que, sem embargo dessa característica (digamo-lo assim, com José de Oliveira Ascensão) supra-individual, depende de que nela haja o enraizamento dos indivíduos; ou seja, a adesão vital, o enracinement de Simone Weil e o consequente vouloir vivre colectif de Louis Le Fur. Esse enraizamento não se produz sem permanência −sem a duração no tempo−, e o que resulta dessa continuidade temporal é a identidade histórica da instituição: passam as gerações, mas a unidade e a identidade institucionais permanecem, desde que essas gerações perseverem substancialmente na adesão aos elementos espirituais que animam os vínculos entre uma ideia, uma organização, um instituto, e a vida social e política dos indivíduos. (Ponha-se à margem a questão do nominalismo que preserva só os rótulos, sem o conteúdo dos conceitos de que não faz caso).
Se já de si próprio esse conceito de «instituição» exige bastante esforço para compreender-se, talvez mais ainda o problema se complique em sua especialização jurídica.
Oliveira Ascensão (1932-2022), não ladeando afirmar que o termo «instituição» é ambíguo, invocou, para melhor examiná-lo, o entendimento de Hauriou, do qual, entretanto, não poupou dizer que neste autor, em que se «melhor apreende esta realidade complexa», a noção não deixa de ser «obscura» (cf. O direito -Introdução e teoria geral, ed. Verbo, 4.ed., Lisboa, 1987, p. 19). Também nosso Vicente Ráo (1892-1978) −de quem José Pedro Galvão de Sousa, em aulas, afirmou ter sido o mais autorizado dos juristas brasileiros−, repete-se: Vicente Ráo também disse, quanto ao conceito de «instituição» em Hauriou, que suas expressões nem sempre eram claras (cf. O direito e a vida dos direitos, ed. Thomson-Reuters e Revista dos Tribunais, 7.ed., São Paulo, 2013, p. 222; essa edição resultou da tarefa atualizadora a que se lançou o saudoso Ovídio Rocha Barros Sandoval).
Por assim dizer, despachemos o tanto de preguiça(que havemos de tributar ao pecado original) e lancemo-nos a ver já na fonte primária −Hauriou− que devemos compreender por «instituição», se é que almejamos continuar, advertidamente, no uso rotineiro dos termos complexos «instituição notarial» e «instituição registral».
Vejamos, então, de pronto, a passagem com que Maurice Hauriou (1856-1929) iniciou um dos capítulos de La cité moderne et les transformations du droit (ed. 1925): [traduzo livremente]: «As instituições representam no direito, como na história, a categoria da duração, da continuidade e do real; o ato de sua fundação constitui o fundamento jurídico da sociedade e do estado» (cito aqui por uma republicação: Hauriou, Aux sources du droit -Le pouvoir, l'ordre et la liberté, ed. Bloud & Gay, Paris, s.d., p. 89).
Prosseguiremos.