Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 6)

Des. Ricardo Dip

 

Voltemos nossa atenção aos princípios.

Consideremos o papel que representam para a ciência, invocando aqui uma conhecida metáfora: a do edifício espiritual. Os princípios estão para a ciência como os fundamentos e as vigas estão para um edifício material. 

Os fundamentos são os primeiros e mais remotos princípios, os princípios que, em sentido próprio, dizem-se originantes (pensemos no princípio de não contradição, no princípio de identidade, no princípio de razão suficiente, e, para o âmbito da praxis, o princípio do hábito da sindérese: bonum faciendum, malum vitandum −agir o bem e evitar o mal).

Sem negar que a experiência seja necessária para a (chamemo-la assim) intuição desses primeiros princípios ou fundamentos originantes, há também as vigas do edifício espiritual, princípios mais próximos e que, apoiados sobre os mais remotos, são frutos recolhidos de uma experiência particular, vital, histórica.

Ainda que com alguma impropriedade, admite-se falar também em fundamentos originantes, já não como indicativos dos primeiros princípios, mas ao modo de referir pilares históricos para a constituição de entes artificiais (artefatos). Com efeito, ao passo em que a ordem natural nos revela os fundamentos naturais das coisas, a ordem artificial −de que os homens são, de algum modo, criadores− revela-nos fundamentos historicamente primários, que podemos assim nomear analogicamente como originais, embora tenham de apoiar-se em princípios anteriores, ou seja, nos primeiros e mais remotos e indemonstráveis princípios.

Os princípios historicamente originantes −os fundamenta quodammodo ingenita− do notariado latino são três. E eles suportam toda a estrutura notarial, incluso suas vigas ou princípios mais próximos. São aqueles princípios os que deram (e ainda dão) a fisionomia, a identidade do notariado latino. Quando se fala em princípios notariais −os princípios do notariado latino−, tem-se em linha de conta os princípios mais próximos, as vigas desse notariado, mas essas vigas estão construídas sobre aqueles princípios históricos ingênitos da latinidade notarial. Em resumo, não se pode, sem mais, alterar substancialmente essas vigas sem, com isto, modificar sua relação com os fundamentos, ao ponto, até mesmo e em extremo, de recusar a base de apoio do edifício notarial.

Antes de passarmos em breve revista os princípios mais próximos −as vigas, os fundamenta derivata; num certo sentido, princípios secundários− do notariado latino, tratemos de referir, também de modo conciso, os três pilares históricos originantes em que apoia a construção inteira desse notariado. São eles: primeiro, o estudo e a experiência das três primeiras artes liberais (trivium), mormente o estudo a experiência da retórica; segundo, a especialização dos estudos notariais, graças, à altura, especialmente, à influência da Universidade de Bolonha; terceiro, a delegação da fé pública.

Assinale-se que apenas o último desses princípios estruturantes é devido à atuação do poder político. Os demais provêm da própria comunidade. Observou o notário espanhol José García Sánchez, ao apresentar valioso livro de Antonio Rodríguez Adrados, que os princípios notariais são dotados de universalidade, “pues el proprio origen del notariado, cuya partida de nacimiento no fue librada por el poder constituido sino por la propia sociedad civil que lo reclamaba” é o indicativo dessa universalidade, certo que “pocas instituciones civiles pueden presumir de mantener durante siglos una configuración tan fija y uniforme, sin modificaciones sustanciales…” (Principios notariales, 2013, p. 7).