(da série Registros sobre registros n. 191)
Des. Ricardo Dip
784 - Tratemos um tanto, de modo específico, acerca das três figuras indicadas expressamente no item 5º do inciso I do art. 167 da Lei brasileira 6.015/1973 (penhora, arresto e sequestro), seguindo aqui, por motivos didáticos, uma ordem diversa da adotada na lei, tal que deixaremos a penhora para o fecho deste capítulo; é que, nada obstante o arresto e o sequestro não sejam causas da penhora, são-lhe medidas antecedentes.
Comecemos pelo arresto, que é instituto para assegurar uma futura –ou já pendente– execução: o arresto é instituto especial de segurança ou para estabelecer situação provisória, “até que se decida a demanda” (Pontes de Miranda).
Diz Antônio Geraldo da Cunha que nosso vocábulo arresto provém, remotamente, do latim tardio arresto (infinitivo arrestare), derivado do verbo resto (infinitivo restare); desta mesma origem se beneficiou o francês antigo arrester –hoje, arrêter–, e é do francês que, diretamente, surgiram as palavras portuguesas arresto e arrestar. Desponta aí uma série de acepções mais ou menos acercadas entre si: impedir de avançar, suspender o movimento, parar, imobilizar, reter, interceptar, conter, refrear, reprimir, paralisa, capturar, prender, apreender, sujeitar, manter, fixar, cessar, permanecer, etc.
De algum modo, aproxima-se da ideia de embargo (no singular: embaraço, impedimento, óbice, obstáculo; no direito espanhol fala-se em embargo preventivo), embora, antes pareça que embargo seja o gênero de que o arresto é uma das espécies (neste sentido, cf. De Plácido e Silva).
Discute-se sobre a existência do arresto no direito romano. Entre nós, silencia Lopes da Costa sobre esta possível origem romana, e nega-a, mais recentemente, Humberto Theodoro Júnior: “Nem o direito romano, nem o direito canônico conheceram o instituto do arresto”; Pontes de Miranda, após dizer que o direito romano não conheceu esse instituto de arresto, observou: “Afirmar que os Romanos não tiveram o arresto não quer dizer que não existisse medida parecida, que serviu às exigências da vida de outrora…”. Em contrário, considere-se a opinião de Roca Sastre e de José María Rifá Soler, remetendo-se este último, expressamente, a dois institutos romanos: o do sacramentum in rem e o da legis actio per manus iniectionem, o primeiro, para a apreensão de coisa própria (embora, adiante, se tenha admitido também o sacramentum in personam, com a apreensão pessoal do devedor), o segundo, a manus iniectio, providência “para apoderarse de un deudor que no pagaba” (Álvaro D’Ors).
Têm-se à vista aí duas classes de arresto: o real, sobre coisas –subdividindo-se em arresto mobiliário e arresto imobiliário ou predial–; e o pessoal, que, por sua vez, pode ser civil (assim, a prisão por dívida alimentar ou a do depositário infiel: cf., a propósito, o art. 652 do Cód.civ.bras.) ou militar (que compreende as hipóteses de custódia dos intranei; cabe ainda referir o arresto da pessoa de um inimigo ou de seus bens –arresto, pois, quer, pessoal, quer, real–, que é um meio coercitivo, a represália, que se estende ao bloqueio pacífico, objeto do direito internacional público; de acordo com noção emitida, em 1934, pelo Instituto de direito internacional, as represálias consistem em “medidas coercitivas, derrogatórias das regras ordinárias do direito das gentes, tomadas por um estado em consequência de ilícitos praticados, em seu prejuízo, por outro estado e destinadas a impor a este, por meio de um dano, o respeito do direito” –cf., a propósito, Hildebrando Accioly).
As Ordenações afonsinas (1446) previram, em seu livro 3, que, havendo demanda por dívida e sendo o devedor “pessoa suspeita, que não possuísse bens de raiz, nem tivesse fazenda de bens móveis”, contanto que houvesse “a suspeição de sua ausência ou fugida”, caberia ao juiz ordenar que o demandado apresentasse “penhores abastantes ou fiadores”, sob pena de “fazer socresto em qualquer cousa sua” (vidē Lopes da Costa). As Ordenações manoelinas (1514; versão definitiva: 1521) e, depois, as filipinas (1603; livro 3, 31: “Quando o reo é obrigado satisdar em Juízo por não possuir bens de raiz”) reproduziram a previsão das Ordenações de Dom Afonso V, recolhendo-se a matéria na Consolidação do Conselheiro Antonio Joaquim Ribas (Resolução imperial de 28-12-1876) complementada com as regras dos arts. 321 e 322 do Regulamento 737/1850 (de 25-11):
“Art. 321. O embargo ou arresto tem logar:
(…)
§ 2º Quando o devedor sem domicilio certo, intenta ausentarse ou vender os bens que possue, ou não paga a obrigação no tempo estipulado.
§ 3º Quando o devedor domiciliario: 1º, intenta ausentar-se furtivamente, ou muda de domicilio sem sciencia dos credores; 2º, quando muda de estado faltando aos seus pagamentos e tentando alienar os bens que possue; ou contrahindo dividas extraordinarias; ou pondo os bens em nome de terceiro; ou commettendo algum outro artificio fraudulento.
§ 4º Quando o devedor possuidor de bens de raiz intenta alienal-os ou hypothecal-os, sem ficar com algum ou alguns equivalentes ás dividas, e livres e desembargados.
§ 5º Quando o devedor commerciante cessa os seus pagamentos e se não apresenta; intenta ausentar-se furtivamente ou desviar todo ou parte do seu activo; fecha ou abandona o seu estabelecimento; occulta seus effeitos e moveis de casa; procede a liquidações precipitadas; põe os bens em nome de terceiros, contrahe dividas extraordinarias, ou simuladas.
Estas disposições não comprehendem o negociante matriculado, a respeito do qual se guardará a parte III do Código Commercial.
Art. 322. Para a concessão do embargo é necessario:
§ 1º Prova litteral da divida.
§ 2º Prova litteral, ou justificação de algum dos casos de embargo referidos no artigo antecedente. “
Menos de um ano após a implantação militar, no Brasil, da forma republicana de governo (1889), expediu-se o Decreto 793 (de 19-9-1890), preceituando “observar no processo das causas civeis em geral o regulamento n. 737 de 25 de novembro de 1850, com algumas excepções e outras providencias”, de modo que o arresto se manteve aplicável tal qual se previra nas Ordenações e consolidara-se pelo Conselheiro Ribas, com o acréscimo, então, das regras indicadas no Regulamento 737, de 1850.
O Código de processo civil brasileiro de 1939 arrolou, entre as medidas preventivas, no art. 676, o “arresto de bens do devedor” (inc. I), a tanto exigindo “prova literal de dívida líquida e certa” (art. 681, in fine), de par com algum ou alguns dos supostos indicados em seu art. 675, a saber:
“I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os litigantes;
II – quando, antes da decisão, fôr provável a ocorrência de atas capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, no direito de uma das partes;
III – quando, no processo, a uma das partes fôr impossível produzir prova, por não se achar na posse de determinada coisa.”
Expressivamente claro, no Código de 1939, é o caráter preventivo do arresto (vem esta medida indicada no título I do livro V do Código; este livro designa-se “Dos processos acessórios”, e já o nome ostentado em seu título I deixa explícito cuidar-se ali de medidas preventivas). E assim o são, disse Carvalho Santos, porque, diversamente do que ocorre com as medidas propriamente de execução (ou satisfação), a lei “não autoriza a alienação da coisa arrestada, nem atribui ao credor a posse definitiva dela”. Prossegue Carvalho Santos: “O arresto consiste, ao invés, única e exclusivamente na retirada da coisa do poder do devedor, ficando sob a guarda da justiça, visando (a) impedir que o devedor dela possa dispor em prejuízo de seus credores”.
Nesta mesma linha, Lopes da Costa afirmou que o arresto é “providência provisória à espera da providência definitiva –a penhora”; Humberto Theodoro Júnior ensinou que “arresto, ou embargo, como diziam os antigos praxistas, é a medida cautelar de garantia da futura execução por quantia certa”.
Prosseguiremos.