(da série Registros sobre Registros n. 432)
Des. Ricardo Dip
1.243. Prevê nossa Lei de registros públicos, no item 31 do inciso II de seu art. 167, o averbamento “da certidão de liberação de condições resolutivas dos títulos de domínio resolúvel emitidos pelos órgãos fundiários federais na Amazônia Legal”.
O de que trata é de averbar a satisfação das condições resolutivas do domínio dessas referidas áreas que, sendo antes da União, haviam sido já adquiridas por particulares.
Essa previsão foi incluída na Lei 6.015 por força, primeiro, da Medida provisória 759/2016, e, adiante, com a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017 (cf. art. 7º).
Expediu-se ainda, a propósito, o Decreto 10.592, de 24 de dezembro de 2020, com o objetivo explícito de regulamentar a Lei 11.952, de 2009, normativa referente à regularização fundiária das áreas rurais situadas em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, e em terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -Incra. O art. 4º desse Decreto enuncia: “A certidão de liberação das condições resolutivas, de caráter declaratório, será averbada à margem da matrícula do imóvel previamente à alienação do bem pelo beneficiário do título de domínio ou do título de concessão de direito real de uso” (passadas mais de quatro décadas da edição da Lei 6.015, ainda se fala em averbação «à margem da matrícula»).
O dispositivo em pauta diz respeito a determinadas aquisições dominiais resolúveis na Amazônia legal −com títulos emitidos por órgãos fundiários federais e, como ficou implícito, sob condição resolutiva.
Já em 1953, com a Lei 1.806, definira-se o que então se designou «Amazônia brasileira», abrangendo “a região compreendida pelos Estados do Pará e do Amazonas, pelos territórios federais do Acre, Amapá, Guaporé e Rio Branco e ainda, a parte do Estado de Mato Grosso a norte do paralelo de 16º, a do Estado de Goiás a norte do paralelo de 13º e a do Maranhão a oeste do meridiano de 44º” (art. 2º). Instituiu-se à altura a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, que veio a substituir-se pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), nos termos da Lei 5.173, de 27 de outubro de 1966, lei essa que tornou a definir o que antes se designara com a expressão «Amazônia brasileira»: “A Amazônia, para os efeitos desta lei, abrange a região compreendida pelos Estados do Acre, Pará e Amazonas, pelos Territórios Federais do Amapá, Roraima e Rondônia, e ainda pelas áreas do Estado de Mato Grosso a norte do paralelo de 16º, do Estado de Goiás a norte do paralelo de 13º e do Estado do Maranhão a oeste do meridiano de 44º” (art. 2º).
Posteriormente, redefiniu-se essa mesma área que viria a conhecer-se com o nome de «Amazônia legal», abarcando “os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Pará e do Maranhão na sua porção a oeste do Meridiano 44º” (art. 2º da Lei complementar 124, de 3-1-2007).
Pois bem, é a imóveis situados dentro dessa delimitação territorial que se aplica o disposto no item 31 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015. A matéria é objeto da já mencionada Lei 11.952/2009 (de 25-6), alterada com a Lei 13.465, de 2017. Ao que se visa com essa normativa é a regularização fundiária referente a terras da União, no âmbito da Amazônia legal, admitindo-se alienação dessas terras e a concessão de direito real de seu uso. Quanto à aludida alienação, dispõe a Lei 11.952, que se trata, de maneira específica, de «doação ou venda, direta ou mediante licitação, nos termos da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, do domínio pleno das terras previstas no art. 1o” (inc. IX do art. 2º).
Depois de vedar, objetivamente, a aquisição de domínio por particulares de áreas, na Amazônia legal, que sejam “I - reservadas à administração militar federal e a outras finalidades de utilidade pública ou de interesse social a cargo da União; II - tradicionalmente ocupadas por população indígena; III - de florestas públicas, nos termos da Lei no 11.284, de 2 de março de 2006, de unidades de conservação ou que sejam objeto de processo administrativo voltado à criação de unidades de conservação, conforme regulamento; ou IV - que contenham acessões ou benfeitorias federais” (caput do art. 4º da Lei 11.952), bem como de áreas “que abranjam parte ou a totalidade de terrenos de marinha, terrenos marginais ou reservados, seus acrescidos ou outras áreas insuscetíveis de alienação nos termos do art. 20 da Constituição Federal” (embora admitida, a seu propósito, a outorga de título de concessão de direito real de uso) e as terras “ocupadas por comunidades quilombolas ou tradicionais que façam uso coletivo da área” (que hão de ser objeto de regularização segundo normas específicas), elenca a mesma Lei 11.952 os requisitos para a lícita aquisição de áreas da Amazônia legal por particulares: “Para regularização da ocupação, nos termos desta Lei, o ocupante e seu cônjuge ou companheiro deverão atender os seguintes requisitos: I - ser brasileiro nato ou naturalizado; II - não ser proprietário de imóvel rural em qualquer parte do território nacional; III - praticar cultura efetiva; IV - comprovar o exercício de ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anterior a 22 de julho de 2008; V - não ter sido beneficiado por programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural, ressalvadas as situações admitidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário” (art. 5º), supostos que, confirmados, propiciam a regularização: “Preenchidos os requisitos previstos no art. 5o, o Ministério do Desenvolvimento Agrário ou, se for o caso, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão regularizará as áreas ocupadas mediante alienação” (art. 6º).
O título de domínio desses imóveis, expedido, como ficou dito, por órgãos fundiários federais, “deverá conter, entre outras, cláusulas que determinem, pelo prazo de dez anos, sob condição resolutiva, além da inalienabilidade do imóvel” (art. 15 da Lei 11.952),
“I - a manutenção da destinação agrária, por meio de prática de cultura efetiva;
II - o respeito à legislação ambiental;
III - a não exploração de mão de obra em condição análoga à de escravo;
IV - as condições e a forma de pagamento.”
Como se vê, a aquisição dessas terras está subordinada a condições resolutivas. Lê-se no art. 16 da Lei 11.952, com a redação da Lei 13.465: “As condições resolutivas do título de domínio e do termo de concessão de uso somente serão liberadas após a verificação de seu cumprimento”. Tenha-se ainda em conta o que dispõe o art. 18 da mesma Lei 11.952: “O descumprimento das condições resolutivas pelo titulado implica resolução de pleno direito do título de domínio ou do termo de concessão, declarada no processo administrativo que apurar o descumprimento das cláusulas resolutivas, assegurados os princípios da ampla defesa e do contraditório”.
Por fim, cabe observar que a Lei 14.757, de 19 de dezembro de 2023, acrescentou dois artigos na Lei 11.952:
“Art. 15-A. Caso o contrato emitido antes de 25 de junho de 2009 esteja pendente de pagamento, os beneficiários originários, herdeiros ou terceiros adquirentes de boa-fé que ocupem e explorem o imóvel poderão adimplir integralmente o saldo devedor e receber a quitação do contrato, hipótese em que será aplicável a extinção das cláusulas resolutivas, observado o disposto no art. 16-A desta Lei.
§ 1º O terceiro de boa-fé proprietário de outros imóveis rurais poderá ter seu requerimento atendido, desde que o somatório das áreas de sua propriedade com o imóvel em estado de inadimplência não exceda a 15 (quinze) módulos fiscais.
§ 2º Ato do Poder Executivo disporá sobre as condições financeiras e os prazos para a renegociação, observados os limites estabelecidos nesta Lei.
Art. 16-A. Ficam extintas as cláusulas resolutivas constantes dos títulos emitidos até 25 de junho de 2009 que atendam às seguintes condições:
I - comprovação, pelo proprietário ou possuidor, do adimplemento das condições financeiras, observado o previsto no art. 15-A desta Lei;
II - área total por proprietário ou possuidor não superior a 15 (quinze) módulos fiscais;
III - comprovação de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
§ 1º É vedada a concessão dos benefícios previstos nesta Lei quando houver a ocorrência de exploração de mão de obra em condição análoga à de escravo na área a ser regularizada.
§ 2º A extinção das cláusulas resolutivas não afasta a responsabilidade por infrações ambientais, trabalhistas e tributárias.
§ 3º A liberação dos títulos de domínio sem a observância do disposto nesta Lei implica responsabilidade civil, administrativa e penal dos responsáveis.”
