Averbação da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia

         (da série Registros sobre Registros n. 411)

                                                  Des. Ricardo Dip

1.127.  O item 19 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 31 dezembro de 1973, arrola por suscetível de averbação no ofício imobiliário a extinção da concessão de uso especial para fins de moradia.

         À partida, atente-se a que a Lei 11.481, de 31 de maio de 2007, acrescentou o direito de uso especial para fins de moradia entre os direitos reais constantes do Código civil brasileiro (inc. XI do art. 1.225), e indicou sua suscetibilidade ao ônus da hipoteca (inc. VIII do art. 1.473).

         Por evidente, o averbamento de uma extinção pressupõe uma anterior inscrição −mais exatamente, em nosso caso, o registro em sentido estrito da concessão de uso especial para fins de moradia, o que está previsto na mesma Lei 6.015 (item 37 do inc. I de seu art. 167).

         Já tratamos nesta série "Registros sobre Registros" acerca  de que essa matéria da concessão de uso especial para fins de moradia corresponde, de algum modo, ao atendimento do que se indica no § 1º do art. 138 da Constituição nacional de 1988: «Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural».

         Fizemos ver também que essa norma constitucional foi regulamentada pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001 −Estatuto da cidade. Foi por essa lei que, entre vários institutos jurídicos e políticos, criou-se entre nós o da concessão de uso especial para fins de moradia (alínea h do inc. V do art. 4º), prevendo-se, no art. 56, a inclusão, no rol de títulos registráveis stricto sensu no ofício imobiliário: dos «termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia, independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação». Pouco tempo depois, a Medida provisória 2.220, de 4 de setembro de 2001, excluiu a parte final do texto anterior −«independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação»−, dando uma nova redação ao referido item 37, que é a do texto ainda vigente.

         A mencionada Medida provisória 2.220 trouxe previsões de particular interesse para o âmbito do registro de imóveis, como pode verificar-se de seus arts. 6º, 7º e 8º.

         Já deixamos dito (Reg-Reg 364), que o «art. 6º da Medida provisória 2.220 prevê dúplice possibilidade de instrumentos para que se institua a concessão do direito especial para fins de moradia: um título de origem administrativa ou um título judicial. Veja-se o que diz o caput desse mencionado art. 6º: «O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial». Numa ou noutra das hipóteses, o título deve ser levado a registro no ofício imobiliário, de acordo com o que dispõe o § 4º do aludido art. 6º da Medida provisória 2.220: «O título conferido por via administrativa ou por sentença judicial servirá para efeito de registro no cartório de registro de imóveis». E ainda que o art. 7º «assenta permitir-se a transferência inter vivos ou mortis causa do direito de concessão de uso especial para fins de moradia».

         Agora, porém, o que mais interessa −ao cuidar-se pontualmente do averbamento da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia− é o que consta do art. 8º da Medida provisória, que trata das hipóteses dessa extinção:

•        a de «o concessionário dar ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família», e

•        a de «o concessionário adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural».

         Em uma e outra dessas hipóteses para averbação no ofício imobiliário, será bastante a «declaração do Poder Público concedente» (par. único do art. 8º: «A extinção de que trata este artigo será averbada no cartório de registro de imóveis, por meio de declaração do Poder Público concedente»).

         Por que se admite ser suficiente a atuação unilateral do poder público para o averbamento da extinção da concessão objeto?

         Maria Sylvia Zanella Di Pietro bem ensinou, a propósito, que essa concessão é uma «outorga de uso privativo de bem público ao particular», instrumentada, de comum, mediante um contrato administrativo com que se  «faculta ao particular a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação» (em capítulo da obra coletiva Estatuto da cidade −Comentários à lei federal 10.257/2001−, obra essa coordenada por Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz, ed. Sbdp -Sociedade Brasileira de Direito Público  e Malheiros, São Paulo, 2010, p. 150 et sqq.; a primeira edição é do ano de 2002).

         Todavia, prossegue a a Professora Zanella Di Pietro,

a hipótese da concessão de uso especial para fins de moradia ostenta a peculiaridade de a legislação de regência não se referir a contrato, de sorte que o instituto «foi tratado como ato unilateral»,

•        gratuito (§ 1º do art. 1º da Medida provisória 2.220);

•        de simples uso −e não de exploração (porque sua finalidade é a de moradia, sob pena de extinguir-se a concessão −cf. art. 8º da mencionada Medida provisória 2.220);

•        a concessão é perpétua (porque «o direito subsiste enquanto o concessionário respeitar a utilização para fins de moradia e não adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural»);

•        de utilidade privada (ou seja, no interesse do concessionário e de sua família);

•        obrigatória, «porque o Poder Público não pode indeferir a concessão se o particular preencher os requisitos dos arts. 1º e 2º (da Medida provisória 2.220)»;

•        autônoma, por não se vincular a nenhuma outra modalidade de concessão.

         Daí que, ato de constituição unilateral −com mero aceite do particular− justifique, em conformidade com a normativa de regência, um correlato ato unilateral de sua extinção.