(da série Registros sobre Registros n. 391)
Des. Ricardo Dip
1.188. O enunciado do item 5º do inciso II do art. 167 da Lei 6.015 de 1973 faz referência ao «desquite», como se lê: «alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas».
Ao introduzir-se, no Brasil, a possibilidade de desconstrução do vínculo conjugal −o que se fez com a Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977−, previu-se a substituição do nome «desquite» pelo vocábulo «separação»:
• «O capítulo III do Título Il do Livro IV do Código de Processo Civil, as expressões «desquite por mútuo consentimento>, <desquite> e <desquite litigioso> são substituídas por <separação consensual> e <separação judicial>» (art. 39);
• «As causas de desquite em curso na data da vigência desta Lei, tanto as que se processam pelo procedimento especial quanto as de procedimento ordinário, passam automaticamente a visar à separação judicial» (art. 41);
• «As sentenças já proferidas em causas de desquite são equiparadas, para os efeitos desta Lei, às de separação judicial» (art. 42).
Ao entrar em vigor a Constituição nacional de 1988, o § 6º de seu art. 226 assim dispunha: «O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos». Deu-se, porém, uma alteração constitucional, objeto da Emenda 66, de 13 de julho de 2010, eliminou a exigência de prévia separação −judicial ou de fato− como requisito para o divórcio, modificando-se o texto do aludido § 6º do art. 226 do Código político, em que passou a ler-se: «O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio».
Estabeleceu-se então controvérsia acerca da sobrevivência jurídico-positiva do instituto das «separações» (consensual e litigiosa) ante a previsão do divórcio vincular.
Meu entendimento sobre esse tema convenceu-se (e, da veniam, ainda se persuade) do acerto da posição sustentada pela Professora Regina Beatriz Tavares da Silva, que assim observou em artigo publicado pelo Conjur (21-5-2022), com o título «Os riscos da supressão do instituto da separação»:
«Em várias correntes evangélicas e no catolicismo, o vínculo conjugal é indissolúvel, de modo que somente a separação é permitida a quem professa essas religiões. Se desaparecer o instituto da separação, restaria apenas o divórcio como forma de dissolução conjugal. Impedidos de se divorciarem por sua crença, esses religiosos teriam duas opções: viver sob o estado civil de casados e na situação irregular de separados de fato perante o Estado ou divorciar-se em desrespeito aos preceitos religiosos.
Observe-se que a separação fática não modifica o estado civil, não extingue por si só o regime de bens e os deveres conjugais, enquanto a separação judicial ou extrajudicial opera tudo isto, já que dissolve a sociedade conjugal (CC, artigo 1.576). A separação meramente fática cria um limbo, que efetivamente não se equipara à separação judicial ou extrajudicial.
Portanto, a interpretação que pretende eliminar o instituto da separação viola o direito fundamental à liberdade de regularização do estado civil, por ser a forma de dissolução conjugal admitida por quem não pode se divorciar em razão de sua crença» (a autora elenca ainda outros argumentos).
Entendeu diversamente, por maioria de votos, o STF, ao julgar o RE 1.167.478 (em 8-11-2023), expedindo tese para seu tema 1.053: «Após a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico. Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de um ato jurídico perfeito».
Essa decisão −que é vinculativa− resguardou o status das pessoas já separadas antes da promulgação da Emenda constitucional 66, de maneira que é ainda averbável, no registro de imóveis, a separação judicial ou extrajudicial anterior a 14 de julho de 2010, data inicial da vigência desse referida Emenda.
1.189. Antes de avançar para o tema da mudança de nome em «outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas», quero referir uma indagação que me foi dirigida pela prezada Thais Camatte Vieira ANdrade, lá de Campo Grande.
Perguntou-me ela se, em vista da Lei geral de proteção de dados (Lei 13.709, de 14-8-2018), que prevê como dado pessoal sensível o dado pessoal «sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural» (inc. II do art. 5º), seguindo-se norma restritiva de sua publicidade (art. 11), se a alteração de nome da pessoa, no registro imobiliário, em ressonância de nova classificação de gênero, exige a abertura de matrícula, omitindo-se referência ao nome anterior.
A questão é interessante e seguramente de solução controversa. Parece-me, no entanto, não ser caso de abertura de matrícula. Por dois motivos, ao menos.
Primeiro: a matrícula que se inaugurasse, com a ausência do nome anterior da pessoa transgênero, não poderia deixar de referir-se ao registro precedente, porque isso −a indicação do registro anterior− além de ser requisito previsto em lei para a escrituração de toda matrícula (n. 5 do inc. II do § 1º do art. 176 da Lei 6.015), é fundamental para o controle do trato consecutivo.
Segundo: porque a publicidade restrita afeta os meios de transmissão do conteúdo registral e não os próprios assentos originais. É algo, pois, que diz respeito a textos secundários −literais (certidões) ou orais (as informações)− e não os documentos primários do registro.
Prosseguiremos na próxima semana com o exame de alguma outra possível situação em que caiba a mudança de nome prevista no item 5º do inciso II do art. 167 da Lei 6.015.