(da série Registros sobre Registros n. 421)
Des. Ricardo Dip
1.233. Prosseguindo no exame dos títulos averbáveis no ofício de imóveis, assim os alistados no inciso II do art. 167 da Lei 6.015/1973, trataremos agora do averbamento da servidão ambiental.
O objeto material nuclear −o da servidão ambiental− é, sobretudo, tema especial do segmento próprio do direito do meio ambiente, incluindo seu ramo de caráter administrativo. A questão, por esse aspecto, interessa, pois, a uma ampla gama de políticas públicas (p.ex., quanto a recursos hídricos, saneamento básico, resíduos). De onde vem o relevo da atuação adjutória que, nessa esfera, possui o registro de imóveis. Mas, por outra perspectiva, o de que se trata é de uma servidão, tão servidão como as servidões em geral, por mais que se lhe junte o adjetivo para referi-la ao meio ambiente.
Já prevista no antigo Código florestal (Lei 4.771, de 15-9-1965), uma servidão −que a lei designava «florestal»−, dividiu-se o instituto com a Lei 11.284, 2 de março de 2006, que especificou, nomeando-a, a servidão ambiental, incluindo o instituto entre os instrumentos da política nacional do meio ambiente, objeto da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Passou a ler-se no art. 9º dessa lei de 1981, com a inclusão do inciso XIII: «São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: (…) XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros».
Ditou ainda a referida Lei 11.284, no caput de seu art. 9º-A, que, por meio de «anuência do órgão ambiental competente, o proprietário rural pode instituir servidão ambiental, pela qual voluntariamente renuncia, em caráter permanente ou temporário, total ou parcialmente, a direito de uso, exploração ou supressão de recursos naturais existentes na propriedade», estabelecendo, na sequência do mesmo art. 9º-A: «A servidão ambiental deve ser averbada no registro de imóveis competente» (§ 3º).
O referido texto do caput do art. 9º-A foi modificado com a Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, estampando-se a seguinte redação: «O proprietário ou possuidor de imóvel, pessoa natural ou jurídica, pode, por instrumento público ou particular ou por termo administrativo firmado perante órgão integrante do Sisnama, limitar o uso de toda a sua propriedade ou de parte dela para preservar, conservar ou recuperar os recursos ambientais existentes, instituindo servidão ambiental» [Sisnama é o indicativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído com a Lei 6.938, lendo-se em seu art. 6º: «Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (…)»].
Também o antigo § 3º do art. 9º-A da Lei 6.938 foi deslocado −com alteração de enunciado− para o § 4º do mesmo artigo, segundo o texto da Lei 12.651: «Devem ser objeto de averbação na matrícula do imóvel no registro de imóveis competente: I - o instrumento ou termo de instituição da servidão ambiental; II - o contrato de alienação, cessão ou transferência da servidão ambiental».
Essa normativa sobre a servidão ambiental corresponde ao que se assinou na Constituição brasileira de 1988, desde a asserção proclamatória de seu art. 225 −«Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações»−, passando por várias outras de suas disposições: v.g., art. 23 −«É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora»; art. 24: «Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição»; art. 170: «A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação»; art. 186: «A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (…) II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente».
Como é próprio de toda servidão, também a ambiental importa numa limitação ao exercício dos atributos dominiais. Nosso vigente Código civil, a propósito, depois de enunciar no caput de seu art. 1.228 que o «proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha», prevê no § 1º do mesmo artigo: «O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas».
A Lei 6.938, como ficou dito, desde a alteração imposta com a Lei 11.284, de 2006, impõe o averbamento da servidão ambiental no ofício imobiliário. Guarda nisso correspondência com o que prevê o art. 1.378 do Código civil, relativamente à constituição das servidões em geral: «A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis». À diferença, todavia, do que, no plano adjetivo, indica, para a inscrição das servidões em geral, o item 6º do inciso I do art. 167 da Lei 6.015 −assinando-lhes o registro stricto sensu−, a Lei 6.938, com a redação da Lei 11.284, prevê, para a servidão ambiental, o ato de averbação. Há aí um erro categorial, porque, tratando-se da constituição de um direito real, era hipótese atrativa de registro em sentido estrito; mas, enfim, é a averbação, contudo, o ato imposto em lei.
Ao registro de imóveis, de maneira específica, interessa saber que, podendo ser onerosa ou gratuita, temporária ou perpétua (art. 9º-B da Lei 6.938), a servidão ambiental tem por títulos suscetíveis de averbamento os de origem notarial («instrumento público» -art. 9º-A da Lei 6.938), os particulares e os advindos da administração pública (diz e lei: «termo administrativo»). Ressaltem-se que, quando temporária, a servidão ambiental deve ser constituída pelo prazo mínimo de 15 anos (§ 1º do art. 9º-B), e, ainda, ser «vedada, durante o prazo de vigência da servidão ambiental, a alteração da destinação da área, nos casos de transmissão do imóvel a qualquer título, de desmembramento ou de retificação dos limites do imóvel» (§ 6º do art. 9º-A).
A servidão ambiental é alienável («O detentor da servidão ambiental poderá aliená-la, cedê-la ou transferi-la, total ou parcialmente, por prazo determinado ou em caráter definitivo, em favor de outro proprietário ou de entidade pública ou privada que tenha a conservação ambiental como fim social» −§ 3º do art. 9º-B da Lei 6.938), e o título dessa alienação também deve averbar-se no ofício imobiliário («O contrato de alienação, cessão ou transferência da servidão ambiental deve ser averbado na matrícula do imóvel» −caput do art. 9º-C; isso apenas reitera o que se previra no item II do § 4º do art. 9º-A). Os requisitos desse contrato arrolam-se no § 1º desse referido art. 9º-C. Os requisitos mínimos do título para o averbamento da servidão vêm previstos no § 1º do art. 9º-A da Lei 6.938: «memorial descritivo da área da servidão ambiental, contendo pelo menos um ponto de amarração georreferenciado»; «objeto da servidão ambiental»; «direitos e deveres do proprietário ou possuidor instituidor» e, suposto que se trate de servidão temporária, o «prazo durante o qual a área permanecerá como servidão ambiental».