(da série Registros sobre Registros n. 431)
Des. Ricardo Dip
1.242. A Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, lei essa que trata do Sistema eletrônico dos registros públicos -Serp, deu a redação atual do item 30 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973.
Esse item 30 havia sido já incluído na Lei 6.015 com a Lei 12.703, de 7 de agosto de 2012, alterando-se, seguidamente, com a Lei 12.810, de 15 de maio de 2013, e a Medida Provisória 1.085, de 2021.
O núcleo da previsão desse item 30 está remetido ao art. 31 da Lei 9.514/1997 (de 20-11) e ao art. 347 do Código civil brasileiro de 2002, dispositivos ambos que se referem à sub-rogação convencional. A sub-rogação, tal se sabe comumente, consiste na substituição de uma coisa por outra (sub-rogação que se diz real) ou de uma pessoa por outra (sub-rogação pessoal). Assim, a sub-rogação é uma substituição (de coisa por outra coisa, de pessoa por outra pessoa), embora nem toda substituição real ou pessoal seja uma sub-rogação: p.ex., na compra e venda de um imóvel, substitui-se o titular de domínio, mas a isso não se atribui o termo «sub-rogação»; tampouco na sucessão mortis causa dizemos que o herdeiro se sub-roga ao autor da herança. (Peço licença para um parêntese, com o objetivo de, quanto ao capítulo da «sub-rogação», recomendar a obra de Inocêncio Galvão Telles, Direito das obrigações, de que muito me tenho valido, para este pequeno escrito inclusive).
Não é caso de, neste breve estudo, examinarmos as modalidades peculiares que justificam designar ou não uma substituição com o nome «sub-rogação». Baste-nos avistar a menor extensão que seu conceito possui em confronto com o de substituição.
Clóvis Beviláqua, ao comentar o art. 985 do Código civil brasileiro de 1916, limita-se a uma das espécies da sub-rogação, a pessoal, como se extrai do conceito que emite, dizendo ser a sub-rogação “a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação, ou emprestou o necessário para solvê-la”. De comum, com o pagamento extingue-se a obrigação correspondente, mas, na hipótese de sub-rogação, a dívida extingue-se em relação ao credor ordinário, não, contudo, quanto ao sub-rogado −é dizer, o novo credor−, que se investe das condições e garantias que tinha o credor primitivo.
Há uma sub-rogação pessoal imprópria −em que não há substituição de titulares do direito, mas apenas o ensejo de uma atuação jurídica por um credor. A esse título, veja-se o que enuncia o Código civil português, em seu art. 606º: “1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.
2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor”.
Ao lado dessa sub-rogação −que, a meu ver, deve admitir-se imprópria−, outra há, pessoal, em que, agora sim, satisfeita uma obrigação, o crédito, porém, não se extingue, porque a titularidade correspondente se transfere a terceiro, o sub-rogado. Assim, tem-se que o cumprimento da obrigação tem por efeito a transmissão do crédito objeto, que se transfere a terceiro, o solvens, sub-rogado em lugar do accipiens, credor originário. Em síntese, o devedor continua vinculado à dívida.
De par com sub-rogações legais −as que a lei estabelece, embora se admita dispensa por vontade dos contratantes (cf. art. 350 de nosso Código civil de 2015)−, há sub-rogações convencionais, que os interessados concordam em efetivar. Lê-se, a propósito, no art. 347 do Código civil: “A sub-rogação é convencional: I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito”. Veja-se ainda o art. 31 da Lei 9.514, de 1997: “O fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida ficará sub-rogado, de pleno direito, no crédito e na propriedade fiduciária. Parágrafo único. Nos casos de transferência de financiamento para outra instituição financeira, o pagamento da dívida à instituição credora original poderá ser feito, a favor do mutuário, pela nova instituição credora”.
Como ficou dito, é dessa sub-rogação pessoal convencional que trata o item 30 do inciso II do art. 167 de nossa Lei de registros públicos, em que se dispõe acerca do averbamento
da sub-rogação de dívida, da respectiva garantia fiduciária ou hipotecária e da alteração das condições contratuais, em nome do credor que venha a assumir essa condição nos termos do art. 31 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, ou do art. 347 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), realizada em ato único, a requerimento do interessado, instruído com documento comprobatório firmado pelo credor original e pelo mutuário, ressalvado o disposto no item 35 deste inciso.
Vê-se, pois, que, embora com a previsão de elaborar-se “ato único” (é dizer, uma única averbação), são três os títulos objeto desse averbamento, quais sejam:
• o de sub-rogação de dívida,
• com a incluída e acessória sub-rogação da garantia fiduciária ou hipotecária,
• o de alteração de condições contratuais.
Formalmente, o documento a apresentar-se para os fins da inscrição imobiliária deve confirmar a substituição sub-rogatória “pelo credor original e pelo mutuário”, mas o texto legal ressalva a hipótese de cessão de crédito ou de sub-rogação de dívida “decorrentes de transferência do financiamento com garantia real sobre imóvel, nos termos do Capítulo II-A da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997”.
Essa ressalva diz respeito ao refinanciamento imobiliário, apartando da previsão geral do item 30 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015 a hipótese de transferência de dívida de financiamento imobiliário com garantia real, impondo uma série de requisitos para sua validade (cf. arts. 33-A et sqq. da Lei 9.514).