(da série Registros sobre Registros n. 409)
Des. Ricardo Dip
1.215. A Lei de registros públicos arrola entre os títulos averbáveis o «Termo de Securitização de créditos imobiliários, quando submetidos a regime fiduciário» (está assim, com as maiúsculas, no texto legal −n. 17 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015).
Comecemos por desfiar prontamente uma pergunta, de cuja resposta se tratará a final: está em vigor a regra que prevê o averbamento do termo de securitização?
A palavra «securitização» não se encontra alistada no vocabulário oficial da língua portuguesa elaborado pela Academia Brasileira de Letras, mas, diversamente, consta do vocabulário ortográfico editado pela Academia de Ciências de Lisboa. O verbo «securitizar», porém, não se encontra indicado por nenhuma dessas Academias.
O vocábulo «securitização» provém do inglês −aliás, é uma translação direta do inglês securities, que o Oxford Advanced Learner's Dictionary define: «documents proving that somebody is the owner of shares, etc. in a particular company» (documentos que provam quem é o proprietário de acões, etc. de uma empresa determinada); de modo mais conciso, indica o Longman Dictionary of Contemporary English: «stocks or shares in a company» (ações ou cotas de uma companhia). Não parece impróprio acolher a acepção mais ampla que lhe dá Eduardo Fortuna (Mercado financeiro -Produtos e serviços, ed. Qualitymark, 18. ed., Rio de Janeiro, 2010, p. 390): as securities são «valores mobiliários ou títulos de crédito».
Consiste a securitização em transformar dadas obrigações em títulos negociáveis no mercado, de maneira que um determinado credor −que possui créditos recebíveis− antecipa-lhes o reconhecimento mediante a conversão desses créditos em títulos, emitidos por uma instituição dita securitizadora, que, por sua vez, coloca-os no mercado de capitais, permitindo que investidores assumam algum risco, em troca de rentabilidade futura.
No Brasil, a Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, havia criado o certificado de recebíveis imobiliários (CRI), nos termos de seu art. 6º: «O Certificado de Recebíveis Imobiliários - CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro», ou seja, um título representativo de um direito de crédito derivado de uma venda a prazo, podendo ter por objeto bens, serviços ou operações imobiliárias.
Um dos requisitos desse CRI era o da «identificação do Termo de Securitização de Créditos que lhe tenha dado origem» (inc. IX do art. 7º da Lei 9.514).
Por sua vez, o art. 8º da mesma lei versava sobre a securitização: «A securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora (…)», tratando, no art. 9º, de seu regime fiduciário: «A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre créditos imobiliários, a fim de lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, sendo agente fiduciário uma instituição financeira ou companhia autorizada para esse fim pelo BACEN e beneficiários os adquirentes dos títulos lastreados nos recebíveis objeto desse regime». Determinou a mesma Lei 9.514, no par. único de seu art. 10, devesse o termo de securitização de créditos, quando instituído o regime fiduciário (ou seja, quando os créditos se separem como patrimônio de afetação), averbar-se no registro de imóveis, na matrícula imobiliária correspondente.
Esses dispositivos foram revogados pela Medida provisória 1.103, de 2022, convertida adiante na Lei 14.430, de 3 de agosto de 2022, a cujo breve exame voltaremos à frente.
Por agora, consideramos algumas observações recolhidas da autoridade de Melhim Namem Chalhub (Cessão de crédito imobiliário e alienação fiduciária de bem imóvel objeto de compromisso de compra e venda registrado - Securitização de créditos imobiliários - Aspectos relevantes, Boletim Eletrônico 828 do Instituto do Registro Imobiliário do Brasil, 16-9-2003). Antes de conceituar o termo de securitização −«o ato pelo qual a companhia securitizadora, mediante declaração unilateral, promove a emissão dos títulos e estipula seus valores, vencimentos e condições de remuneração e de resgate. Nele, a securitizadora estabelece correlação entre os títulos emitidos e os créditos destinados a propiciar os fundos necessários ao pagamento aos subscritores»−, disse Melhim Chalhub que a palavra «securitização» indica as operações que vinculam «valores mobiliários a determinados direitos creditórios», de tal maneira que«securitizar»um créditoé representá-lo por um título ou valor mobiliário suscetível de negociação no mercado. Assim, o lastro da securitização são os recebíveis.
A Lei 14.430, de 2022, como já ficou dito, revogou a Lei 9.514, estabelecendo, entretanto, «as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de Certificados de Recebíveis» (inc. II do art. 1º). Definiu a «operação de securitização»: «aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam« (par. único do art. 18), e indicou os requisitos do termo de securitização (art. 22). Tratou também dos CRI: «Os Certificados de Recebíveis são títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e são títulos executivos extrajudiciais» (art. 20).
Pois bem, voltemos à pergunta inicial: ainda vigora a regra da Lei de registros públicos que prevê o averbamento do termo de securitização?
Vejamos:
• o texto do item 17 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, alistando o termo de securitização entre os títulos averbáveis no ofício imobiliário, procede do art. 40 da Lei 9.514, de 1997, que, por sua vez, resulta do previsto no par. único do art. 10 da mesma Lei 9.514: «O Termo de Securitização de Créditos, em que seja instituído o regime fiduciário, será averbado nos Registros de Imóveis em que estejam matriculados os respectivos imóveis»;
• esse art. 10 da Lei 9.514 foi revogado por força de disposição da Medida provisória 1.103, de 2020, que se converteu na Lei 14.430, na qual última se lê: «Art. 38. Ficam revogados: (…) III- os seguintes dispositivos da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997: (…) b) arts. 7º ao 16»;
• a Lei 14.430 não indica a revogação do art. 40 da Lei 9.514, nem, pois, a do item 17 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015 −em que se aponta o averbamento imobiliário do título de securitização−, sequer fazendo referência alguma ao registro de imóveis;
• no § 1º de seu art. 26, a Lei 14.430 enuncia: «O termo de securitização em que seja instituído o regime fiduciário deverá ser registrado em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, nos termos da Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013» (note-se: ativos financeiros e valores mobiliários; cf. arts. 22 et sqq. da Lei 12.810).
É controversa a resposta, mas há algo a extrair da falta de expressa revogação do dispositivo que prevê o averbamento do título de securitização no registro de imóveis. Parece-me, pois, que se mantém em vigor a regra do item 17 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015.