(da série Registros sobre Registros, n. 378)
Des. Ricardo Dip
1.145. A Lei 14.421, de 20 de julho de 2022, acrescentou à lista dos títulos registráveis em sentido estrito no ofício de imóveis o do «patrimônio rural em afetação em garantia», correspondendo ao tem 47 do inciso I do art. 167 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
Esse patrimônio rural afetado para fins de garantia foi objeto da Lei 13.986, de 7 de abril de 2020 (arts. 7º a 16) e pode conceituar-se a separação de um imóvel rural, por ato de seu proprietário −não importa que seja pessoa física ou pessoa jurídica−, destinando-se a prestar garantia exclusivamente por meio de emissão de cédula de produto rural (CPR) e cédula imobiliária rural (CIR) −cf. § 1º do art. 7º da Lei 13.986.
A Lei 14.421/2022 assinalou a natureza real dessa afetação, incluindo no texto do art. 7º da Lei 13.986: «O patrimônio rural em afetação dado em garantia na forma deste artigo constitui direito real sobre o respectivo bem» (§ 2º).
Pontualmente, quanto ao registro imobiliário, parecem ter maior interesse as disposições dos arts. 8º e 9º da Lei 13.986, com a redação e as inclusões, quanto a esse art. 9º, da Lei 14.421.
Previu-se a constituição do patrimônio rural em afetação −sendo, como visto, de natureza jurídico-real− mediante registro no ofício imobiliário (art. 9º da Lei 13.986), ato que, diz a lei, deve requerer-se pelo proprietário do imóvel. Não parece excessivo pensar que possa o registro realizar-se com rogação de terceiro, desde que se confirme, documentalmente, a vontade do proprietário em constituir a garantia com a afetação do imóvel de seu domínio.
Preceituou a mesma lei (§ 1º do art. 9º) o exame da regularidade do título dessa constituição de garantia quanto à especialidade objetiva: «(…) o oficial deve certificar-se de que a descrição do imóvel matriculado atenda ao disposto no § 3º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos)».
Na sequência, o § 2º desse art. 9º prevê uma exceção do princípio da unitariedade da matrícula −já alguma vez suplantado, p.ex., com os registros das unidades autônomas de condomínio edilício, ou com a preservação, em uma só matrícula, de imóveis segregados pela abertura de estradas. Dispõe o referido § 2º do art. 9º da Lei 13.986: «Quando o patrimônio rural em afetação for constituído por parcela determinada de uma área maior, serão registradas na respectiva matrícula as descrições da parcela objeto de afetação e da parcela remanescente».
Assinalável ainda é o que se lê no § 3º do mesmo art. 9º, ao permitir que desagregue da matrícula, na hipótese de excussão de parcela afetada, a porção que −à evidência, com abertura de outra matrícula− seja adquirida pelo credor garantido: «Na ocorrência de excussão de parcela determinada de imóvel objeto do patrimônio rural em afetação, o credor poderá requerer seu parcelamento definitivo previamente ao registro do título aquisitivo para fins de pagamento».
Preceitua a mesma lei, no § 4º de seu art. 9º, que, para registrar-se essa desagregação −que o enunciado legal designa «parcelamento definitivo»−, o oficial do registro imobiliário «exigirá a apresentação da certificação do georreferenciamento da área excutida perante o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)».
O art. 8º da Lei 13.986 indica quatro hipóteses −às quais deve estar atento o registrador− em que não poderá constituir-se o patrimônio rural em afetação.
A primeira das hipóteses diz com a impossibilidade dessa constituição sobre «o imóvel já gravado por hipoteca, por alienação fiduciária de coisa imóvel ou por outro ônus real, ou, ainda, que tenha registrada ou averbada em sua matrícula qualquer uma das informações de que trata o art. 54 da Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015» (§ 1º do art. 8º).
A segunda hipótese concerne à «pequena propriedade rural de que trata a alínea a do inciso II do caput do art. 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993» (ou seja, com área de até quatro módulos fiscais).
A terceira hipótese é da «área de tamanho inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, o que for menor, nos termos do art. 8º da Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972» (lê-se no caput desse art. 8º da Lei 5.868: «Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área»). Lembremo-nos da importante regra do § 3º do art. 8º da mesma Lei 5.868: «São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos»).
Por fim, a quarta hipótese de impedimento à constituição do patrimônio rural de afetação é a relativa ao «bem de família de que trata a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), exceto na situação prevista no § 2º do art. 4º da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990». A regra comum, pois, é que imóvel já afetado com o status de bem de família não possa constituir-se como afetação de patrimônio rural. A exceção, indicada na lei, é a do § 2º do art. 4º da Lei 8.009, que assim enuncia: «Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural».
Veja-se ainda o que dispõe o art. 10 da Lei 13.986.
Para logo, afirma a segregação −é dizer, noutros termos, a incomunicabilidade− dos bens e direitos integrantes do patrimônio rural em afetação, desde que vinculado (com sua medida adequada) o patrimônio rural em afetação às cédulas de produto rural e imobiliária rural. Daí que nenhuma garantia real −ressalvadas as hipóteses de emissão dessas apontadas cédulas− possa constituir-se
sobre o patrimônio rural em afetação (§ 1º do art. 10).
O próprio imóvel rural, enquanto subordinado ao regime de afetação, «ainda que de modo parcial» −nota bene− «não poderá ser objeto de compra e venda, doação, parcelamento ou qualquer outro ato translativo de propriedade por iniciativa do proprietário» (§ 2º do art. 10), nem servir de outra forma de garantia (inc. I do § 3º), sendo «impenhorável» e imune a qualquer «constrição judicial» (inc. II do § 3º), incluso −ressalvados as lavouras, os bens móveis e os semoventes− quanto aos «efeitos da decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial» (inc. I do § 4º).
Prosseguiremos para apreciar o processo registral de constituição desse patrimônio rural de afetação.