(da série Registros sobre registros n. 207)
Des. Ricardo Dip
828. Vimos já algumas características do direito de concessão de uso especial para fins de moradia, às quais podem acrescentar-se ainda as de seu título gratuito e a de seu prazo indeterminado (diversamente do que ocorre com a concessão ordinária de uso), tanto que apenas se extingue aquele direito se o concessionário der “ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família” ou ainda “adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural” (incs. I e II do art. 8º da Medida provisória 2.220, de 2001).
Se alguma dúvida pudesse de início haver sobre a natureza jurídico-real dessa concessão, espancou-se essa dúvida com a edição da Lei 11.481/2007 (de 31-5), cujo art. 10 preceituou incluir-se tal concessão no rol dos direitos reais enunciado pelo art. 1.225 do vigente Código civil brasileiro, passando nele a situar-se no inciso XI.
Mais patente, bem por isso, tornou-se a necessidade não somente do registro do título do direito real de concessão no ofício imobiliário (cf. § 4º do art. 6º da Medida provisória 2.220/2001), assim como a do averbamento da extinção desse direito (vidē par.ún. do art. 8º da Medida 2.220). O título institutivo dessa concessão pode ser administrativo ou judicial, este último em caráter supletivo (“O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial” –art. 6º da Medida provisória 2.220), e, em bom rigor, é em tudo sugestivo de uma alienação de imóvel público a que se agregou uma causa resolutiva na hipótese de desvio de sua finalidade de moradia.
Cabem aqui umas tantas observações: a Lei 10.257/2001 (de 10-7), em seus arts. 56 e 57, determinou a inclusão na lista dos títulos suscetíveis, respectivamente, de registro stricto sensu e de averbação objeto da Lei 6.015/1973, quer dos “termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia, independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação” (n. 37 do inc. I do art. 167 da Lei 6.015), quer dos de “extinção da concessão de uso especial para fins de moradia” (correspondendo, então, ao item 19 do inc. II do mesmo art. 167). Cerca de dois meses mais tarde, a Medida Provisória 2.220 alterou a redação do aludido item 37 do inciso I do art. 167 da Lei nacional de registros públicos, passando a enunciar-se o cabimento do registro “dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia”. Por fim, é interessante referir um fato: embora, como acabamos de mencionar, já a Lei 10.257, de 2001, houvesse inserido a previsão de averbar-se a “extinção da concessão de uso especial para fins de moradia” –que se expressou no item 19 do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973–, uma nova lei, a 12.424, de 16 de junho de 2011, instituiu, em seu art. 1º, o item 28 do mesmo inciso II do art. 167 da Lei 6.015, para nele prever-se –em manifesta reiteração normativa– o averbamento da “extinção da concessão de uso especial para fins de moradia”. De tal sorte que o mencionado item 19 se revogou, substituído, formalmente, pela nova disposição emanada da Lei 12.424.
Há algo muito relevante a considerar neste passo, qual o de avistar-se, já com a Lei 9.636, de 15 de maio de 1998, a preocupação da União federal em incluir no registro de imóveis prédios de domínio público, de maneira, nesta situação pontual, que a ideia de regularização fundiária se moldasse à de regularização jurídica no sistema formal do registro imobiliário (art. 3º: “A regularização dos imóveis de que trata esta Lei, junto aos órgãos municipais e aos Cartórios de Registro de Imóveis, será promovida pela SPU e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, com o concurso, sempre que necessário, da Caixa Econômica Federal – CEF”). Vai-se aos poucos chegando à compreensão de que um sistema formal relativo à propriedade imobiliária deve, o mais possível, permitir uma visão integral, de conjunto, que viabiliza uma atuação política adequada, e esse sistema, entre nós, já existe, institucionalizado e com larga e bem sucedida experiência prática: é o sistema do registro imobiliário. Daí a conveniência, de maneira progressiva, de os imóveis de domínio público acederem ao sistema formal do registro.
829. Dispõe o art. 7º da Medida provisória 2.020/2001 que “o direito de concessão de uso especial para fins de moradia é transferível por ato inter vivos ou causa mortis”, e que possa ser objeto de garantia real, isso se indica expressamente no art. 13 da Lei 11.481/2001: “A concessão de uso especial para fins de moradia, a concessão de direito real de uso e o direito de superfície podem ser objeto de garantia real, assegurada sua aceitação pelos agentes financeiros no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH”; essa mesma Lei 11.481, em seu art. 10, incluiu a concessão de direito de uso especial para fins de moradia no plexo do que, segundo o rol do art. 1.473 do Código civil, pode ser objeto de hipoteca (vidē VIII desse art. 1.473). Além disso, por força ainda da Lei 11.481 (art. 11), inseriu-se no art. 22 da Lei 9.514/1997 (de 20-11) a viabilidade de a alienação fiduciária em garantia ter por objeto o direito de uso especial para fins de moradia (inc. II).
É, pois, de admitir que esse direito possa também ser objeto de usufruto, sujeito embora o usufrutuário às condições de sobrevivência da concessão do uso especial, quais sejam as previstas no art. 8º da Medida provisória 2.020:
“O direito à concessão de uso especial para fins de moradia extingue-se no caso de:
I - o concessionário dar ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família; ou
II - o concessionário adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural.”
Calha aqui observar que, tratando-se de concessão –embora por prazo indeterminado– deferida, de modo principal, pela administração pública, e só de maneira supletiva mediante sentença judicial, a tutela de sua regularidade é, primeira e diretamente, administrativa. Isso explica a razão de ser da regra do parágrafo único do art. 8º da Medida provisória 2.220, segundo a qual a extinção do direito de concessão de uso especial para a moradia “será averbada no cartório de registro de imóveis, por meio de declaração do Poder Público concedente”. Poderá objetar-se que essa declaração deva sempre secundar processo administrativo com observância do contraditório, mas isso –que é de todo plausível admitir– é matéria para controle a efetivar-se pela mesma administração pública ou, quando o caso, pelo poder judiciário. Dessa maneira, não é atribuição do registrador de imóveis, diante da expressa disposição legal que dispensa o consentimento do legitimado tabular, aferir a regularidade do processo de que resultou a expedição do ato declarativo da extinção do direito de uso especial para fins de moradia.