TJ/PR - Lembrando o Dia Nacional da Visibilidade Trans no Brasil

TJ/PR - Lembrando o Dia Nacional da Visibilidade Trans no Brasil

O dia 29 de janeiro foi estabelecido como o Dia Nacional da Visibilidade Trans no Brasil, uma data que há quase duas décadas visa chamar a atenção e promover reflexões sobre a garantia e viabilização do exercício dos direitos de cidadania às pessoas travestis, transexuais (homens e mulheres trans) e não-binárias (que não se reconhecem nem como homens nem como mulheres), uma parcela da população que ainda é alvo de preconceitos, discriminações e violências que afrontam acintosamente a Constituição Federal.

As pessoas trans ainda permanecem “invisíveis” para os formuladores e operadores das políticas públicas na medida em que raramente as fichas cadastrais incluem informação sobre a identidade de gênero, exceto quando complementa a notificação de crimes de ódio, homicídios e outras modalidades de transfobia, como as recentemente praticadas contra parlamentares eleitas nas últimas eleições municipais.

Segundo a organização internacional Trans Murder Monitoring, nosso pais é campeão mundial de assassinatos de pessoas trans e, entre 1º de outubro de 2019 a 31 de setembro de 2020, o Brasil registrou 152 assassinatos, aproximadamente três vezes mais que o México e quatro vezes mais que os Estados Unidos, segundo e terceiro colocados neste ranking macabro.

O relatório coordenado pela pesquisadora Bruna Benevides e entregue à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), em 28 de janeiro de 2022, aponta que, em 2021, 140 pessoas trans foram assassinadas no país, sendo 135 travestis e mulheres transexuais, e 5 homens trans e pessoas transmasculinas. Uma destas vítimas se chamava Keron Ravach (nome social), de apenas 13 anos, assassinada a pauladas no Ceará, ainda no começo de 2021, e se tornou a vítima mais jovem conhecida nesses 5 anos de pesquisas.

Um dado trazido pelo relatório que informa que 81% das vítimas eram travestis/mulheres negras é chocante, mas não surpreendente, uma vez que a população negra historicamente é mais afetada pelas variadas manifestações de violência e intolerância. Outra informação que merece a atenção da sociedade mostra que 78% dos crimes foram praticados contra profissionais do sexo, sinal evidente da existência de um número elevado de consumidores dos serviços prestados por elas e da dificuldade que as pessoas trans têm de serem admitidas no mercado formal de trabalho.

Felizmente, mas com atraso, a sociedade e o Judiciário Brasileiro vêm reconhecendo a necessidade de tratamentos diferenciados que viabilizem às brasileiras e aos brasileiros trans o exercício dos direitos constitucionais e a dignidade humana, em igualdade de condições com os demais cidadãos e cidadãs, certamente premidos mais pela crescente visibilidade da presença deles no mundo do trabalho e nas interações sociais cotidianas do que pelas estatísticas de agressões e assassinatos. 

A Comissão de Igualdade e Gênero no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), cumprindo seu dever de promover a igualdade e seguindo as orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do TJPR, estuda medidas e providências no sentido de minimizar ou eliminar os constrangimentos, dificuldades e obstáculos que as práticas e rotinas tradicionais pautadas e limitadas pela heteronormalidade possam causar aos usuários e servidores transexuais ou travestis que necessitem dos serviços do Poder Judiciário ou que nele trabalham.

Nesta linha, o Conselho Nacional de Justiça, movido pela necessidade de regulamentar o processo de regularização de um fato social que expõe cidadãos e cidadãs a situações de constrangimento na sua tentativa de exercer seus direitos, emitiu a Provimento nº 73/2018 dispondo sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais. Esta normativa considerou a legislação internacional que impõe o respeito ao nome, ao reconhecimento da personalidade jurídica, à honra e à dignidade humana, invocando o direito constitucional à dignidade, à intimidade e à identidade de gênero sem discriminações e faz referência à decisão da Organização Mundial da Saúde de excluir a transexualidade do rol das doenças mentais.

No § 1º do artigo 3º do Provimento está estabelecido que “O atendimento do pedido apresentado ao registrador independe de prévia autorização judicial ou da comprovação de realização de cirurgia de redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal ou patologizante, assim como de apresentação de laudo médico ou psicológico.”

Com a mesma singeleza é possível implementar medidas facilitadoras da introdução do nome mais adequado à identidade de gênero da pessoa, para que seja ela identificada pelo nome social em crachás, formulários, documentos de expediente, notificações e demais formas de comunicação escrita ou oral em sua interação com o Poder Judiciário, seja como jurisdicionado ou servidor.

Infelizmente já se registraram incidentes em ambientes do Judiciário Paranaense que submeteram jurisdicionados e servidores LGBTQI+ a constrangimentos, agressões, ofensas e até mesmo proibição de utilização de instalações sanitárias, certamente em decorrência da ignorância e do preconceito arraigado em algumas pessoas, mas também autorizados pela ausência de orientação normativa que coibisse práticas discriminatórias contra esta parcela da população.

Relativamente ao acesso aos banheiros nas instalações do TJPR e em outros locais públicos, a controvérsia gira em torno da utilização de banheiros femininos por mulheres trans e travestis, supostamente por razões de privacidade, higiene e risco de molestamento às demais usuárias. Tais argumentos já foram devidamente refutados em abalizadas manifestações dos ministros Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin no julgamento do Recurso Extraordinário 845.779, ao reconhecerem a ocorrência de dano moral na hipótese de restrição injustificada do uso de banheiro público adequado à identidade de gênero de mulher transexual.

Mesmo que alguma pessoa ainda apegada a princípios e conceitos anacrônicos e pouco tolerantes em relação ao outro se sinta incomodada com isso, a promoção da visibilidade da pessoa trans é um passo importante para a universalização do acesso aos direitos constitucionais, sua integração no meio social e a consagração do respeito à diversidade como fundamento da convivência civilizada entre todos os seres humanos.

E é um gesto de fraternidade e responsabilidade que eleva e dignifica a pessoa e a instituição que o pratica. 

Por Comissão de Igualdade e Gênero do Tribunal de Justiça do Paraná 

29 de janeiro de 2022

 

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná