“Minha experiência sempre foi das melhores com a atuação dos Cartórios de Registro Civil”

“Minha experiência sempre foi das melhores com a atuação dos Cartórios de Registro Civil”

Em entrevista concedida à Anoreg/PR, o juiz de Direito Fábio Ribeiro Brandão, da 1º Vara da Infância e da Juventude e Adoção de Curitiba/PR, falou sobre a da adoção no Brasil e os desafios dos acolhimentos institucionais

 

Em entrevista exclusiva à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR), o juiz de Direito Fábio Ribeiro Brandão, da 1º Vara da Infância e da Juventude e Adoção de Curitiba/PR, abordou os desafios do processo de acolhimento e adoção, assim como suas particularidades. De acordo com o magistrado, em 2020, houve recorde no número de reintegrações familiares e adoções. O juiz ressaltou ainda o fato de ter acontecido uma adoção internacional, mesmo com a pandemia.

O magistrado cunhou sua trajetória embasada nos processos que envolvem à adoção, mesmo antes de se tornar juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude. “O interesse superior é sempre o da criança ou do adolescente. Nossa luta é para reduzir o tempo de espera do protegido, criança ou adolescente, pois foi em favor dele que se concebeu o Sistema da Infância e da Juventude”.

Fabio Brandão falou ainda sobre a prioridade em conceder à criança ou ao adolescente a convivência familiar, como prioriza a legislação brasileira, além de destacar a atuação dos cartórios de Registro Civil em relação à adoção. “Percebo que esse elevado grau de humanidade é sentido por todos que atuam nessa belíssima área”.

Leia a entrevista completa:

 

Anoreg/PR – Último levantamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça mostrou que o Brasil tem mais de 30 mil crianças e adolescentes acolhidos, mas apenas cinco mil aptos para adoção. Quais são os motivos desse descompasso?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – A principal razão para a existência de mais habilitados do que protegidos disponíveis à adoção é temporal, referente à diferença de duração dos processos de habilitandos e acolhidos, de acordo com a Lei nº 8.069/90. Afinal, é muito mais simples – e rápido, com prazo máximo de oito meses previsto em lei – para alguém se habilitar no cadastro de adoção do que o Poder Judiciário aplicar medidas protetivas, acompanhar e avaliar as reais condições da família natural ou extensa para o exercício dos cuidados com o protegido, destituir o poder familiar dos pais e, ainda, promover o feito adotivo, culminando em sentença, o que se dá, por óbvio, em respeito ao devido processo legal. Ademais, determina o art. 19, § 2º, do ECA, que existe razoabilidade da duração do acolhimento institucional por até 18 meses, admitindo-se, também, prorrogação por decisão fundamentada do juízo. Além disso, existe o aspecto cultural, sempre muito marcante, pois há poucos acolhidos de tenra idade, percentualmente, sendo que o interesse da imensa maioria dos habilitados é justamente pelo perfil menos frequente (bebês e crianças pequenas), o que faz com que muitos habilitados tenham de aguardar por alguns anos para serem indicados à adoção, vez que existe respeito rígido à cronologia da fila, nos termos da lei em vigor, com número muito maior de interessados em um perfil específico do que a existência deste.

 

Anoreg/PR – É correto afirmar que o processo de adoção no Brasil é demorado? 

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – Penso que a resposta a essa pergunta, sempre a mais frequentemente apresentada, varia de acordo com a perspectiva de análise. Se você questiona se é demorado o processo para o adotante (adulto interessado em adotar), eu diria que depende. É necessário traçar um comparativo para a “demora” com o projeto de uma filiação natural, por exemplo, que costuma ser muito anterior ao simples período de gestação, na sociedade contemporânea. Talvez, por esse parâmetro, seja possível a obtenção de uma resposta mais assertiva. O que é inegável é que a pretensa “demora”, na perspectiva do adulto interessado, pode ser sensivelmente menor se este postular a adoção de perfis menos desejados, como crianças mais velhas, adolescentes, protegidos com deficiência, grupos de irmãos, sem qualquer preconceito de origem ou cor da pele, por exemplo. Nessas hipóteses, seguramente, haverá uma “demora” muito menor (até do que a do tempo de uma gestação, em muitos casos), do que a dos interessados exclusivamente em bebês de cor branca (este o perfil mais procurado). O Poder Judiciário, contudo, analisa a aludida “demora” sob a perspectiva do sujeito de direitos, criança ou adolescente, e não a partir do interesse prioritário dos adultos. É comando constitucional e estatutário. O interesse superior é sempre o da criança ou do adolescente. Sob essa perspectiva, eu diria que sim, sempre, os processos de adoção devem ser entendidos como demorados, pois um simples dia a mais em acolhimento institucional é muito tempo, para o acolhido, sem uma família. Nossa luta é para, sempre, reduzir o tempo de espera do protegido, criança ou adolescente, pois foi em favor dele, prioritariamente, que se concebeu o Sistema da Infância e da Juventude.

 

Anoreg/PR – Por conta da pandemia, muitas crianças e adolescentes ficaram sem responsáveis, e outros com famílias em situações de extrema vulnerabilidade social. Nesse sentido, quais medidas foram tomadas para tentar conter esta calamidade?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – Essa é uma resposta muito difícil de ser apresentada exclusivamente pelo Poder Judiciário, vez que a política de atendimento de crianças e adolescentes é, nos termos da lei, da alçada do Poder Executivo, em particular do Municipal (todas as políticas setoriais em favor de crianças e adolescentes, no contexto do Sistema de Garantia de Direitos). Face aos princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade da intervenção judicial, apenas os casos extremos, que reclamam o afastamento temporário (ou, até, definitivo, com eventual colocação do protegido em família substituta) são submetidos à apreciação judicial (os demais são solucionados por intervenção dos Conselhos Tutelares, requisitando serviços das mencionadas políticas públicas). Do que se pode observar, a partir dos casos excepcionais que reclamam intervenção judicial, e me referindo apenas à experiência de minha unidade na Capital, observo que houve uma sensível redução no número de acolhimentos, em 2020, por motivos ainda não suficientemente esclarecidos, no período da pandemia (algo em torno de 30%). No que toca à atuação do Juízo de Direito, por outro lado, estamos com recordes tanto no número de reintegrações familiares, em nossa unidade (mais de 70 neste ano), bem como em adoções (mais de 100 em 2020). Além disso, há mais de 40 protegidos em estágio de convivência para adoção. Houve até uma adoção internacional, mesmo com a pandemia. Logo, ao menos do que posso avaliar a partir dos dados de nossa unidade judicial, a situação de calamidade e restrição sanitária não representou qualquer empecilho ao bom exercício da missão jurisdicional, pois os números são até superiores aos do período anterior.

 

Anoreg/PR – Quais foram as maiores dificuldades para as Unidades de Acolhimentos Institucional (UAI) neste período de pandemia?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – Sem dúvidas, a gestão das diversas demandas dos protegidos com a restrição de contato pessoal, tornando muito mais complexas as visitas de familiares, a aproximação com indicados à adoção e, mesmo, a transição para os estágios de convivência. Além disso, as demandas escolares, agora à distância, as restrições às atividades extracurriculares presenciais, a redução da convivência comunitária e de acesso às políticas públicas, com limitações a atendimentos psicológicos e psiquiátricos, por exemplo, e o próprio protocolo sanitário de restrições internas de cada UAI, têm sido enormes desafios aos dirigentes e equipes das instituições.

 

Anoreg/PR – A Lei 12.010/09 - Lei de Adoção, trouxe uma série de mudanças significativas para o processo de adoção. Foram feitas outras modificações legislativas foram feitas ao longo dos anos com o objetivo de facilitar o processo?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – As alterações legislativas, a partir da mencionada Lei, têm sido sempre tendentes à redução de prazos, o que é muito válido, em meu sentir. As mais recentes dessas alterações, aliás, foram promovidas pela Lei nº 13.509/17, com estabelecimento de prazos em dias corridos e definição de marcos temporais mais adequados, em especial quanto à duração do acolhimento institucional e à definição jurídica da situação do protegido. Reforço, portanto, que essas alterações devem ser interpretadas fundamentalmente em benefício do menor tempo de institucionalização dos protegidos, vez que o espírito da lei é garantir a eles convivência familiar e comunitária (a legislação não cuida do tema da adoção como uma política pública, tampouco como uma regra, vez que a adoção é, sempre, a exceção no universo da convivência familiar, porquanto a prioridade da legislação brasileira seja, sempre, a manutenção da criança ou do adolescente com sua família de origem).

 

Anoreg/PR – Mesmo sendo uma opção viável, por que é baixo o número de famílias acolhedoras?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – Entendo que por vários motivos, mas, majoritariamente, pela existência de poucas vagas nos municípios, em comparação às destinadas ao acolhimento institucional, à falta de divulgação correta à sociedade, às resistências culturais ainda existentes, ao baixo valor do subsídio em muitas localidades e, principalmente, às dificuldades na devida formação de interessados. É preciso compreender que os protegidos possuem demandas das mais diversas. Não se trata apenas de assumir a guarda de alguém que “vem de um abrigo para minha casa”. Faz-se imperativo preparar essas famílias para as muitas necessidades que surgem ao longo dessa convivência em família que, embora seja definida por lei como temporária e excepcional, deve ser saudável e garantidora de direitos, de forma adequada e, efetivamente, acolhedora.

 

Anoreg/PR – Como avalia a atuação dos Cartórios de Registro Civil no processo de adoção?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – Minha experiência sempre foi das melhores com a atuação dos Cartórios de Registro Civil, em todas as temáticas. Em relação à adoção, sempre observam a urgência dos casos e, muitas vezes, recebo mensagens carinhosas dos profissionais, cumprimentando pelo nosso trabalho e, também, fazendo votos de que aquela nova família seja muito feliz! Afinal, todos trabalhamos, nesses casos, para a mudança de destinos a partir de acasos, como sempre digo. É difícil encontrar quem não se emocione com essas demandas. E é uma enorme honra poder participar da felicidade de uma criança ou adolescente, em uma família adequada, na forma da lei. Não se trata de um ato banal. Percebo que esse elevado grau de humanidade é sentido por todos que atuam nessa belíssima área.

 

Anoreg/PR – Em sua opinião, como as serventias extrajudiciais podem contribuir para que haja mais conhecimento da população sobre o assunto, a fim de diminuir esta lacuna entre o número acolhidos e os que estão aptos para serem adotados?

Juiz Fábio Ribeiro Brandão – Entendo que todos os segmentos, sejam do Poder Público ou da sociedade, devem sempre fomentar o tema da convivência familiar e comunitária como um imperativo, não apenas via adoção, mas de forma mais ampla (como disse, inexiste a regra da adoção como forma de tal garantia, tampouco há direito adquirido ou política pública volta exclusivamente à adoção, no Brasil). O maior problema a ser resolvido é, sem sombra de dúvidas, garantir famílias garantidoras de direitos para os milhares de acolhidos do Brasil, crianças ou adolescentes. E, para isso, é necessário conscientizar a população sobre o real perfil de acolhidos. Fomentar a adoção tardia, inter-racial, de grupos de irmãos e de protegidos com deficiência, doenças crônicas ou necessidades específicas de saúde, por exemplo, é o caminho adequado, tal como nos determina o art. 197-C, do ECA.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação Anoreg/PR