“A maior angustia dos profissionais de saúde é com relação àqueles que não entendem o quão grave é a pandemia”

“A maior angustia dos profissionais de saúde é com relação àqueles que não entendem o quão grave é a pandemia”

Em entrevista à Anoreg/PR, o médico Daniel Fix falou sobre sua atuação diante da pandemia da Covid-19, relatando os maiores desafios e as recomendações preventivas

A pandemia da Covid-19 no Brasil tem diversas vertentes. Sistemas de saúde estaduais em colapso com a falta de equipamentos essenciais, montagem de hospitais de campanha, insuficiência de dados, testes e vacinas. Numa profissão em que o desafio é constante, os médicos têm lidado com barreiras potencializadas pela crise sanitária. A sobrecarga diária dos profissionais da saúde envolvia, ainda, sentimentos de medo e incerteza, mas, principalmente, empatia, para lidar com a dor de pacientes e familiares.

Para mostrar como tem sido a atuação dos médicos durante a pandemia, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR) conversou com o médico Daniel Fix, formado pela Universidade Positivo (UP), que atua desde o início da pandemia em plantões na linha de frente em Unidades de Pronto Atendimento e no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Curitiba (Samu). O médico também passou pelas cidades de Medianeira, Foz do Iguaçu e Araucária, na região metropolitana de Curitiba. De acordo com Fix, após quase um ano desde o primeiro caso do novo coronavírus no País, as recomendações para medidas mais efetivas continuam as mesmas: isolamento social, uso de máscaras e álcool em gel.

Confira a entrevista completa:

Anoreg PR – Em meio à pandemia, qual o maior desafio enfrentado pelo médico?

Daniel Fix – Acredito que a maior dificuldade do médico na pandemia é a de, justamente, conseguir identificar e separar dentro da população aquilo que merece uma investigação mais profunda e um tratamento mais avançado, daquilo que é só um interesse dos indivíduos em conseguir um afastamento, um atestado. Essa é a maior dificuldade, uma postura de má fé dos indivíduos em relação à possibilidade de conseguir um afastamento.

 

Anoreg PR – Nos momentos em que os hospitais chegaram à beira do colapso nos estados, como os profissionais da saúde lidaram com a exaustão e a sobrecarga por excesso de trabalho?

Daniel Fix – A maior angustia dos profissionais frente a superlotação dos hospitais é sempre com relação a população que tem dificuldade de entender o quão grave é a pandemia. O desgaste, na verdade, costuma ser mais emocional do que físico, porque enquanto nós fazemos um esforço enorme para salvar uma, duas, três vidas, outras 60 pessoas se infectam por uma negligência facilmente resolvível. Então, o desgaste é muito mais emocional, também por conta das notícias, do que propriamente de sobrecarga de trabalho.

 

Anoreg PR – Por qual razão foi subestimado o agravamento da doença e do número de mortes por Covid-19?

Daniel Fix – A subestimação do número de casos é muito simples, vem de uma subnotificação, que, por sua vez, vem por causa da dificuldade em fazer testagem. Principalmente, no começo da pandemia em que os protocolos não estavam bem definidos e a gente não tinha acesso fácil aos exames de testagem, a subnotificação aconteceu. O segundo momento da subnotificação, que é muito importante, é dos casos leves. Na verdade, essa segunda situação não é, necessariamente, uma falha, mas sim um sistema de proteção, porque o paciente com um quadro leve é orientado a ficar em casa, não procurar o sistema de saúde, que já está sobrecarregado. Por isso, muitas vezes, acaba não sendo notificado.

 

Anoreg/PR – Ao mesmo tempo que os casos pela doença aumentavam, também cresceu o número de fake news propagadas sobre o assunto. Como foi para os médicos lidarem com esse movimento de desinformação?

Daniel Fix – As fake news têm um movimento bastante interessante porque elas acontecem em todos os meios, inclusive, dentro do sistema de saúde, infelizmente. Mas o fator interessante que apresentam é que é muito comum, aconteceram muitas vezes, de pacientes que estavam internados, em casos moderados, aqueles que necessitam de oxigênio e terapia intensiva, mas que estão bem lúcidos e geralmente são mais jovens, enquanto estão internados, observam pacientes agravando e pacientes indo à óbito ao seu redor e sempre tecem comentários do tipo, ‘nossa, realmente, a coisa está feia’, ‘não sabia que era tão grave assim’, ‘não sabia que era uma doença que fazia tanto mal’. Essa, digamos, ‘reinformação’, que vem compensar a desinformação, acontece muito frequentemente dentro do ambiente hospitalar, isso é algo positivo.

 

Anoreg PR – De acordo com dados do Portal da Transparência, administrado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), os óbitos registrados pelos cartórios de Curitiba em 2020 tiveram um aumento de 22,5% em relação ao ano anterior. De modo geral, o senhor considera que esses dados norteiam o trabalho das equipes nos hospitais?

Daniel Fix – Houve um aumento do cuidado em relação a notificação das declarações de óbito, talvez o que era muito subnotificado anteriormente agora não está mais tão subnotificado, isso pode explicar o aumento do número das mortes. Claro que uma parte desse aumento é de responsabilidade da Covid-19 e suas sequelas que podem ser bastante tardias, mas não só disso, acredito que uma melhora da subnotificação também tenha favorecido esse aumento.

 

Anoreg PR – Em sua opinião, os trâmites dos registros de óbitos são acessíveis às famílias que estão nos hospitais e precisam utilizar o serviço?

Daniel Fix – Dificilmente as famílias que recebem informação de um óbito, e tem que lidar com os trâmites dele, sabem com clareza o fluxo a se seguir para realizar desde o momento da declaração do óbito até a finalização do enterro ou cremação, de acordo com a escolha feita. Mas, de uma maneira geral, as equipes de saúde são muito bem orientadas e costumam fornecer aos familiares informações bem precisas de como proceder nessas situações.

 

Anoreg PR – Como o senhor avalia o trabalho feito pelos cartórios ao fornecerem dados que corroboram para o entendimento da população?

Daniel Fix – No fundo, em relação ao fornecimento de dados pelos cartórios, eu entendo que do ponto de vista que estamos de atendimento hospitalar, ou seja, que antecede o momento do contato com o cartório, a informação dificilmente já está presente nas famílias, então, as famílias geralmente só tem acesso às informações fornecidas pelo cartório do momento que necessitam deles, dificilmente tem informação prévia. Acredito que o alcance das informações ainda é limitado, e existe quando é consultado.

 

Anoreg PR – Como está a expectativa para a vacinação? Acredita que é o início do controle da pandemia?

Daniel Fix – A vacinação ainda acontece em passos lentos e um pouco da culpa disso são as orientações e a velocidade da vacinação proposta pelo Ministério da Saúde. Do momento em que a vacinação atingir a população não idosa, como os adultos e os jovens, vai ser possível identificar melhor como a população entende a vacina. Não é raro, mas é a minoria, ainda bem, que tem uma aversão à vacina. Eu entendo que a vacina vai ser o fator limitador da pandemia, com certeza, mesmo em meio a questionamentos de sua eficácia e mesmo que seja relativamente “baixa”, digamos assim, só ela vai ser capaz de levar ao fim da pandemia em todo o mundo.

 

Anoreg PR – Quais são as suas recomendações de segurança sanitária para a população?

Daniel Fix – As recomendações de segurança partem de um princípio muito simples que as pessoas simplesmente ficam descontentes em ouvir porque não há novas recomendações. As recomendações continuam sendo o isolamento social, uso de máscaras, álcool em gel, são as medidas mais efetivas ainda de longe. Não existe nem uma medicação que seja de uso profilático para evitar que se pegue casos moderados ou graves. Por enquanto, não existe nem um tratamento específico, não existe medicação especifica para reduzir a gravidade ou tempo de duração da doença, então, a prevenção da doença é unicamente feita evitando-se contato por aerossol, que é um meio de transmissão bastante fácil de ocorrer. Por isso, reforçamos uso de máscara, distanciamento social e álcool em gel.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação Anoreg PR