Des. Ricardo Dip
Procurei indicar nas três explanações anteriores que a agonia do processo de habilitação matrimonial algo tem a ver com a paulatina desconstrução das instituições do casamento e da família. Em outras palavras, a redução economicista dessas instituições e, pois, o menor apreço contemporâneo que elas têm no mundo ocidental −não só no aspecto social, mas também na dimensão política− são fenômenos que explicam a escolha do menos dispendioso na juridicização oficial da «união de sexos».
Preparando-me para o remate desta série, tive a feliz ocasião de ler um artigo escrito por meu bom amigo o des. José Renato Nalini, «Mais uma morte anunciada», com uma propícia defesa do registro civil das pessoas naturais, de quem diz nosso autor, ao começo de seu escrito, ser «a serventia mais democrática a serviço da cidadania».
Estamos de acordo −ele e eu− na importância do registro civil, do qual tenho afirmado, de maneira reiterada, ser, na perspectiva social e política (não embora na econômica), a mais relevante das classes de registro público. Se, num exercício próprio de oficina de redação, substituirmos os termos «serventia mais democrática» por «instituição mais comunitária» e «a serviço da cidadania» por «a serviço do bem comum», minha conformidade com o des. Nalini seria quase total, quanto a grande parte deste assunto. É sabido que, dentre minhas habituais chatices, uma há de implicar com as indeterminações conceptivas, assim a que se liga à muito frequentemente vácua noção de «democracia»; e também símile incômodo intelectual causa-me o vocábulo «cidadania». Prefiro, de conseguinte, conceitos mais estáveis e claros. Mas isso não interfere com o fato de estarmos, o des. Nalini e eu, quase inteiramente de acordo em relação ao vulto grandioso do registro civil das pessoas naturais.
Mas por que falo em conformidade «quase total»? Quase, quase total, porque exatamente sobre a habilitação matrimonial não estamos de acordo.
Desde os fins da década de 80 do século passado, tenho entendido que a habilitação nupcial é de todo uma superfetação. Instituiu-se, à altura, uma comissão para rever a Lei 6.015, de que faziam parte José Celso de Mello Filho, depois ministro do STF, Gilberto Valente da Silva, Álvaro Pinto de Arruda, José Roberto Ferreira Gouvêa; também eu integrei essa comissão. Ali se propusera extinguir-se a habilitação matrimonial.
Posso compreender as razões do Des. Nalini em defesa da sobrevida da habilitação. Todavia, de minha parte, avisto duas coisas em contrário a seu juízo.
Primeira, a de que, reduzido o casamento a uma dimensão preferencial econômica, o dispêndio com a habilitação favorece a escolha de uma forma de shadow institution, como são os modos miméticos variados da realidade natural e objetiva do casamento (refiro-me às plúrimas formas das «uniões livres«, que se vão agora juridicizando em paralelo ao matrimônio).
Segunda, porque, já de há muito diagnosticada a pouca ou nenhuma utilidade efetiva da habilitação, ao propor extingui-la, o projeto de reforma do Código civil robustece a autoridade do registro civil, atribuindo-lhe mais sólida função qualificadora.
Enfim, companheiros de trincheira na militância em prol do reconhecimento do relevo dessa instituição grandiosa do registro civil, divergimos quanto aos meios. Mas no essencial estamos ambos a dizer: viva o registro civil das pessoas naturais... e, por favor, reconheça-se isso também quanto a sua sustentação econômico-financeira. Sua miséria material não parece compatível com sua grandeza institucional.