Em latim, ablaqueatio, ablaquationis, corresponde à ideia de escavação ou cova em volta das raízes de uma árvore para a recepção de águas, e empolga ainda a acepção de desprendimento das raízes, tanto num sentido corporal (desenraizamento de um vegetal), quanto de maneira metafórica (o déracinement de que tratou Simone Weil). Dessa origem latina resultou-nos o vernáculo ablaqueação, e também do latim (do verbo ablaqueo, infinitivo ablaqueare) proveio o vocábulo português ablaquear, que é a ação de abrir uma cova ao redor de árvores para que receba água da chuva ou da rega, mas também significa desprender, desenlaçar, desvincular (cf., brevitatis causa, Torrinha e Laudelino Freire).
A palavra ablaqueação veio parar no registro imobiliário para designar o imóvel cuja descrição tabular padece do vício do deslastreamento geográfico. É o imóvel descritivamente solto no plano cosmológico, porque, no enunciado com que se descreve no registro, está liberto de amarras físicas que o situem no plexo da realidade exterior (ao mesmo registro). Daí que, à maneira de uma vala ou cova em torno das árvores (sentido próprio de ablaqueatio), a enunciação ablaqueada desprende ou, mais exatamente, deixa de prender o imóvel, ou seja, de dar-lhe uma ancoração geográfica. Fala-se aí também em registro flutuante, porque, tal como na cova que se faz com a ablaqueação, há algo que flutua ou navega sem amarras, sem ancoragem. Observe-se que o imóvel –enquanto objeto de direitos reais, maxime o de propriedade– é um bem para os homens com o suposto primeiro de que possa distinguir-se, tal que se cumpra a tarefa eminente da funcionariedade social do domínio: extremar o que é de um daquilo que é de outro. Sem esse deslinde, não se atinge a finalidade da atribuição dominial, a que está dirigida particularmente a missão do registro imobiliário.